No Dossiê Mamãe, Coragem!, publicamos trechos de três cartas de Torquato Neto que dialogam com as dificuldades do trabalho artístico no Brasil. Na primeira, destinada ao artista plástico Hélio Oiticica, o poeta descreve as “transas” para o lançamento da Navilouca (1974), revista em número único idealizada ao lado de Waly Salomão. Na mesma carta, manifesta o seu rompimento com Glauber Rocha e o Cinema Novo. Já na segunda missiva, para o mesmo destinatário, Torquato comenta sobre uma viagem a Teresina, sua cidade-natal, eternizada nos versos da canção “Mamãe, coragem”. A carta revela que o autor encontrava em Teresina a ociosidade necessária ao fazer literário. A trinca epistolar se completa com a carta ao jornalista Almir Muniz em que Torquato se opõe à possibilidade de greve no jornal Última Hora. O Dossiê Mamãe, Coragem! traz a ambiência dos anos 1970 com as publicações de revistas marginais, como O Verbo Encantado, Presença e Flor do Mal, e afirma a ideia de um artista que desafinava o coro dos contentes.

Navilouca: uma revista como o Rei Momo

Rio [de Janeiro], 10 de maio de 1972

Hélio, querido:

Salve.

Acho que não apenas eu não tenho escrito muito: pergunto a Waly e a todo mundo e parece que ninguém tem falado: deve ser falta de assunto: pelo menos o meu caso. Desde o carnaval não tenho […]

Após ter o mandato de deputado federal cassado pelo AI-5, em 1968, o jornalista e político carioca Márcio Moreira Alves exilou-se no Chile, onde viveu durante dois anos. A saudade do Brasil e, principalmente, dos amigos está refletida nesta carta, enviada a Rubem Braga. Além de lembrar a amizade com o cronista Paulo Mendes Campos, Moreira Alves documenta as paisagens chilenas, com descrições típicas do realismo mágico latino-americano.

Rubem velho,

Achei que a única lembrança digna de quem já esvaziou oceanos de garrafas era um navio aprisionado. O Neruda tenta convencer-nos que esses navios são feitos à noite, por pequenos duendes carpinteiros. A verdade é menos mágica. Abre-se a garrafa com uma faca de diamante, coloca-se dentro o navio e fecha-se tudo com […]

Em 1969, o ex-jogador, cronista esportivo e militante político João Saldanha foi convidado para ser treinador da Seleção Brasileira. A campanha nas eliminatórias para a Copa não poderia ter sido melhor: seis jogos e seis vitórias. Entretanto, a presença de João Sem Medo, como ficou conhecido, em cargo tão importante não interessava ao general Emílio Garrastazu Médici, terceiro comandante da ditadura militar. Saldanha relatou episódios que o levariam a deixar a função em uma carta aberta publicada na revista Placar, da qual reproduzimos alguns trechos.

[Rio de Janeiro], 27 de março de 1970

Um dia o dr. Antônio do Passo[1] apareceu na minha casa e me convidou para ser treinador da Seleção Brasileira. Não me falou em contrato, em dinheiro, em nada. Só perguntou se eu queria ser o treinador da Seleção. Eu disse a ele:

– Isso […]

Morador de Londres desde 1968, o jornalista Ivan Lessa nunca se desligou dos amigos brasileiros. Na capital londrina, onde passara a colaborar na British Broadcasting Corporation, a BBC de Londres, não deixava de receber cartas como esta, de Millôr Fernandes, que, em estilo consagrado, dá notícias do que acontecia no Brasil durante o truculento governo Médici.

Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1970

Meu amor I! Vão, lê essa:

Eu sei que a hora não está para trocadilhos mas, que fazer, como diziam Lenine e Ignazio Silone?[1] Com Francis preso eu fico com a responsabilidade da cultura, com o Tarso preso eu fico também com a irresponsabilidade da incultura, com o Fortuna[2] preso sou […]

Foi com esta carta escrita depois da experiência da perda do pai, o médico Braz Pellegrino, que Hélio Pellegrino o homenageou. Tão lúcido quanto humano e afetuoso, o depoimento reflete a ternura do sentimento de filho na véspera da data de aniversário do pai, morto aos 63 anos, no dia 15 de dezembro de 1969.

S.l., [21 de agosto de 1970]

Pai,

Amanhã, dia 22 de agosto, é seu aniversário. E você está morto. Pela primeira vez você aniversaria, estando morto. Isto quer dizer: você, em verdade, não aniversaria, você está além do tempo, fora dele, imerso na eternidade. Você, que já morreu, isentou-se do tempo, não aniversaria mais, nem morre mais. Você está maduro, cumprido, […]