A cronista brasileira Elsie Lessa envia ao filho, o jornalista Ivan Lessa, esta carta em que faz uma espécie de levantamento genealógico afetuoso da família, especialmente de sua avó, bisavó de Ivan. Escrita em Londres, para onde Elsie Lessa se mudara com seu companheiro, Ivan Pedro Martins, havia três anos, ela quis estar perto do único filho e acompanhar o crescimento da neta, Juliana, nascida em 1976.

Londres, 30 de setembro de 1980

Meu filho,

Afinal chegou o dia desta carta, que me pesa nas entranhas acho que desde o dia – foi 27 de novembro – em que senti você mexendo dentro delas. Sossegue, não é briga. Só amor, nós que somos gente de briga, violentos, temperamentais. Somos. Aceite. Difícil eu […]

Um país sob o recente comando do general João Batista Figueiredo – último militar a governar o Brasil antes da abertura política –, o retorno de exilados pela Lei da Anistia promulgada em 1979 e o fim do bipartidarismo político: este é o cenário nacional em que vivia Henfil ao escrever à Dona Maria, sua mãe. Com refinado humor, aponta a falta de esperança e o desânimo coletivo instalados no ar no início daquele ano de 1980. Pai do Fradim e da Graúna, dentre outros personagens clássicos do cartum brasileiro, manteria a coluna “Cartas da mãe” na revista IstoÉ até 1984.

São Paulo, 9 de janeiro de 1980

Mãe,

Sem piadinha. Vou me abrir.

Eu tenho acordado de uns seis meses para cá sem ânimo, sem esperança, sem vontade de brilhar, de lutar, de mudar a Lucinha,[1] o Brasil, o mundo, o universo!

Muitas noites eu não durmo, assombrado. Pensando assim: tô ficando velho, […]