Quando o mundo começava a amargar os horrores da Segunda Guerra Mundial, o húngaro Paulo Rónai se dedicava, solitário, a aprender português em sua terra natal. Mais que isso: ele traduziria 33 poemas de 23 poetas brasileiros, reunidos na publicação Brazilia Üzen: Mai Brazil költök [Mensagem do Brasil: os poetas brasileiros da atualidade]. Aquela era a primeira vez que, na Europa Central, “liam-se versos brasileiros e se podia entrever a existência do Brasil, até então só conhecido como produtor de café”, afirma ele. A inédita iniciativa intelectual, reconhecida pelo então presidente Getúlio Vargas nesta carta, foi uma espécie de passaporte para o professor e tradutor fugir dos campos de concentração em direção ao Brasil, sua pátria por adoção.

Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1939

Ao Senhor Professor Paulo Rónai.

Tenho a satisfação de acusar o recebimento do vosso livro Brazilia Üzen [Mensagem do Brasil], contendo poesias brasileiras traduzidas para o idioma húngaro, que, com uma amável carta, […]

Em 1946, o escritor mineiro João Guimarães Rosa lançava Sagarana, livro de contos que introduziu a temática regionalista universalista, pela qual se notabilizaria. A chegada ao hibridismo entre saga, radical germânico que significa lenda, e rana, palavra de origem tupi que expressa semelhança, levou tempo. A primeira versão da obra data de 1938, quando o escritor, sob o pseudônimo de Viator, inscreveu o livro então intitulado Contos no concurso Humberto de Campos, promovido pela livraria José Olympio. Desbancado por Maria Perigosa, de Luís Jardim, o livro terminou na segunda colocação. Contudo, as doze histórias ambientadas no sertão de Minas Gerais deram corpo a um clássico da literatura brasileira. Em carta ao jornalista João Condé, autor da coluna Arquivos implacáveis, Rosa explicou detalhadamente o processo criativo de Sagarana.

[Sem data]

Prezado João Condé,

Exigiu você que eu escrevesse, manu propria, nos espaços brancos deste seu exemplar de Sagarana, uma explicação, uma confissão, uma conversa, a mais extensa, possível — o imposto João Condé para escritores, enfim. Ora, nem o assunto é simples, nem sei eu bem o que contar. Mirrado pé de couve, seja, o […]

Em 1950, a escritora cearense Rachel de Queiroz publicou nas páginas de O Cruzeiro quarenta capítulos de O galo de ouro, romance que seria editado em livro apenas em 1985. Único romance da escritora ambientado fora do Ceará, O galo de ouro teve sucesso entre o público leitor da época, revelando o cotidiano da Ilha do Governador, bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Nesta carta, o poeta Carlos Drummond de Andrade reage à trama, saudando o estilo realista adotado pela autora.

Rio [de janeiro], 8 de dezembro de 1985

Querida Rachel:

Não quero terminar o ano sem limpar-me de um pecado de omissão cometido contra O galo de ouro. O volume ficou perdido numa pilha de outros que se acumulava a um canto do escritório – esse escritório mal organizado de um sujeito que se afirma ser organizadíssimo – e só há pouco o […]

No Dossiê Mamãe, Coragem!, publicamos trechos de três cartas de Torquato Neto que dialogam com as dificuldades do trabalho artístico no Brasil. Na primeira, destinada ao artista plástico Hélio Oiticica, o poeta descreve as “transas” para o lançamento da Navilouca (1974), revista em número único idealizada ao lado de Waly Salomão. Na mesma carta, manifesta o seu rompimento com Glauber Rocha e o Cinema Novo. Já na segunda missiva, para o mesmo destinatário, Torquato comenta sobre uma viagem a Teresina, sua cidade-natal, eternizada nos versos da canção “Mamãe, coragem”. A carta revela que o autor encontrava em Teresina a ociosidade necessária ao fazer literário. A trinca epistolar se completa com a carta ao jornalista Almir Muniz em que Torquato se opõe à possibilidade de greve no jornal Última Hora. O Dossiê Mamãe, Coragem! traz a ambiência dos anos 1970 com as publicações de revistas marginais, como O Verbo Encantado, Presença e Flor do Mal, e afirma a ideia de um artista que desafinava o coro dos contentes.

Navilouca: uma revista como o Rei Momo

Rio [de Janeiro], 10 de maio de 1972

Hélio, querido:

Salve.

Acho que não apenas eu não tenho escrito muito: pergunto a Waly e a todo mundo e parece que ninguém tem falado: deve ser falta de assunto: pelo menos o meu caso. Desde o carnaval não tenho […]

Por vezes, alguns poetas são capazes de subverter a natureza inútil da poesia. Entre maio e outubro de 1975, Ferreira Gullar escreveu um de seus livros mais famosos, Poema sujo, durante seu exílio na Argentina, provocado pela ditadura militar. Se, para Gullar, a poesia nasce do espanto, foi com a mesma sensação que o público-leitor recebeu os mais de dois mil versos contidos no poema-livro. Tamanha comoção suscitou uma série de pedidos ao governo para que o autor voltasse ao Brasil. Ainda que as gestões não tenham dado resultado, Gullar voltou por conta própria, sentindo que Poema sujo havia criado condições de regresso. Nesta carta à escritora Olga Savary, morta em maio de 2020 vítima da Covid-19, Gullar elogia poemas da autora de Espelho provisório (1970) e Sumidouro (1977) e anuncia a realização de Poema sujo.

Buenos Aires, 28 de novembro de 1975

Olga:

Fiquei muito contente com tua carta, tua opinião sobre Dentro da noite [1]e a notícia de que tua poesia segue em frente. Gostei muito da tua tradução do poema de Neruda sobre o abjeto Franco[2] e também da ideia de publicá-lo. Um poema profético… O teu poema “Noturno”, saído na […]