No Dossiê Mamãe, Coragem!, publicamos trechos de três cartas de Torquato Neto que dialogam com as dificuldades do trabalho artístico no Brasil. Na primeira, destinada ao artista plástico Hélio Oiticica, o poeta descreve as “transas” para o lançamento da Navilouca (1974), revista em número único idealizada ao lado de Waly Salomão. Na mesma carta, manifesta o seu rompimento com Glauber Rocha e o Cinema Novo. Já na segunda missiva, para o mesmo destinatário, Torquato comenta sobre uma viagem a Teresina, sua cidade-natal, eternizada nos versos da canção “Mamãe, coragem”. A carta revela que o autor encontrava em Teresina a ociosidade necessária ao fazer literário. A trinca epistolar se completa com a carta ao jornalista Almir Muniz em que Torquato se opõe à possibilidade de greve no jornal Última Hora. O Dossiê Mamãe, Coragem! traz a ambiência dos anos 1970 com as publicações de revistas marginais, como O Verbo Encantado, Presença e Flor do Mal, e afirma a ideia de um artista que desafinava o coro dos contentes.

Navilouca: uma revista como o Rei Momo

Rio [de Janeiro], 10 de maio de 1972

Hélio, querido:

Salve.

Acho que não apenas eu não tenho escrito muito: pergunto a Waly e a todo mundo e parece que ninguém tem falado: deve ser falta de assunto: pelo menos o meu caso. Desde o carnaval não tenho […]

Quando foi instaurado o golpe de 1964, Glauber Rocha viajava com Deus e o Diabo na Terra do Sol para o Festival de Cannes. Nas cartas que então recebeu do Brasil, evidencia-se o contraste entre o luto político e o deslumbramento de toda uma geração com o filme, cujo impacto causado em seu lançamento no Rio de Janeiro é descrito nesta carta de Gustavo Dahl.

Rio de Janeiro, 6 de abril de 1964

Glaubiru, Glaubiru,

Barbarizou, barbarizou. Que agitação, que confusão. Teu rosto me apa­rece tão nítido, mas tão rápido, entre tantas outras coisas, depois de tanto tempo. O essencial foi dito e sentido. E espero que os dólares já estejam em tuas mãos. Depois foi aquela coisa terrível, todo mundo falando do teu fil­me, de ti, quase […]

Dois anos depois do golpe militar que instaurou o regime de ditadura no Brasil entre 1964 e 1985, Glauber Rocha, nesta carta, reflete sobre o desencanto de que era tomado naquele momento em que vivia a “mais brutal crise” de toda a sua vida.

Rio de Janeiro, 1966

Querido Jomard,

Estive aqui folheando lentamente o teu livro[1] e lhe asseguro que vou ler com o maior interesse, porque já vi que você fez um estudo inteli­gentíssimo sobre nossa Cultura! e sobretudo porque descobri, num relance, que os autores citados por você, revistos e essencializados! dão mesmo uma Visão brasileira, complexa, contraditoriamente […]