Boston, 12 de junho de 1876

Condessa,

Não imagina o prazer que suas cartas me causam. Não pensei que as sauda­des chegassem a tanto; também considero a você como uma de minhas melhores afeições. Você também se lembra todos os dias do viajante? Queria enviar-lhe meu diário; mas o tempo é muito escasso, e disse à Isabel que podia comunicá-lo a você.

Já antecipei a resposta à sua carta última de 18 de maio – um mês quase, e estou a pouco mais de dez dias de aí! Peço-lhe que não canse seus olhos. Uma palavrinha basta; mas é excelente para quem viaja e acha-se às vezes tão só no meio do maior burburinho.

Devo sair daqui a pouco e por isso continuarei logo minha carta; con­tudo direi desde já que o Niágara é surpreendente.

Que oceano a despejar-se! Que efeito quase infernal senti eu debaixo de parte da cascata!

Até esta noite.

A nossa amiga madame Plavat há de pular de contente com a folha que lhe mando da árvore que sombreia a sepultura de Channing,[1] que visitei antes de ontem.

E a morte de G. Sand?[2] Tenho seguido as notícias de lá. Os cinquenta anos ainda não me pesam muito. Adeus! Mas é que custo a deixar a conversinha, mesmo por escrito.

Mando-lhe lembranças do Niágara, cujo aspecto excedeu a minha expec­tação. É belíssima, e há muito que ver. Estive além da Pala Rock.

O princípio da grande queda passava por cima de minha cabeça. Que vento, e que borrifar de água! Também lhe envio uma caixinha com a vista de uns dos rápidos do São Lourenço. Por aí passei eu no Spartan. Não é tão feio como parece no desenho. Tenho tanto que contar-lhe! Quem me dera já e já o nosso encontro. Se você não tem saudades, eu vou as sentindo cada vez mais.

Boston muito me tem agradado, e aqui achei o filho de meu amigo Agassiz,[3] o qual tudo me tem mostrado. Almocei um destes dias em casa de Agassiz, e jantei na de Longfellow,[4] que se lembra de sua visita em Paris. Muito gostei do respeitável velho poeta. Como amigo de Agassiz, tenho dado [sic] aqui ainda me­lhor tratado que em outras partes. Logo viagem hoje (14) às nove da noite.

Adeus! Não tenho tempo para mais. Quando terei carta sua? Escreva-me sempre que não cansar seus olhos. Meu abraço a nosso rapaz e creia-me, se é possível, cada vez mais

Seu

Alcindo Sodré. Abrindo um cofre. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1956, pp. 172-173.

[1] N.S.: William Ellery Channing (1780-1842), religioso norte-americano, principal líder do unitarismo, corrente teológica que negava o dogma da trindade cristã e reconhecia Deus como unidade absoluta.
[2] N.S.: George Sand, pseudônimo com que se tornou famosa a romancista francesa, morta em 8 de junho de 1876, cujo nome de batismo era Amandine Aurore Lucile Dupin.
[3] N.S.: Louis Agassiz (1807-1873), zoólogo e geólogo suíço, que comandara, no Brasil, em 1865, a Expedição Thayer.
[4] N.S.: Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882), poeta norte-americano.