Rio, 6 de novembro de 1937

Campos,

Com os olhos voltados tão só para os superiores interesses do Brasil, julgo do meu dever escrever-lhe estas palavras nas quais ponho toda a veemência de que sou capaz, e toda a sinceridade de um homem que nada quer e nada aceita, para si, dos que detêm em suas mãos o poder político da Nação.

Começo por lhe pedir, Campos, que tenha pena do Brasil. Uma inteligência vigorosa como a sua, que tem a enriquecê-la a extensão da sua erudição, e a profundeza de sua cultura, não pode estar a espalhar em derredor de si o ceticismo sobre os homens e as coisas do país, ao mesmo tempo que, paralelamente, vai se pondo − numa demonstração de alarmante oportunismo −, à disposição deste grande corruptor de almas que é Getúlio Vargas.

Não acha você que já é bastante esta depravação inominável que representa o governo de Minas nas mãos de um Benedito Valladares? Não lhe parece que já chegamos ao extremo da humilhação o termos na presidência da Câmara um Pedro Aleixo?

Será possível que você, com a sua inteligência aguda, não perceba que o maior mal, para o nosso Brasil, não é a presença destas figurinhas insignificantes nos altos postos da administração do país, mas a instabilidade social e política da Nação, que decorre da postergação, consciente e deliberada na vontade dos governantes, da Constituição, que, boa ou má, adotamos para reger o destino do nosso povo?

No eterno desencanto em que você vive, o seu coração não acredita em coisa nenhuma, a não ser na eficácia soberana do poder, e da força material que ele tem à sua disposição. Esta é a lição que você vive agora a ministrar a todos os que o cercam: parentes, amigos, e auxiliares.

Fico assombrado como você, que se julga, talvez, o homem mais capaz do Brasil, incide num erro tão funesto, próprio somente dos homens medíocres e ignorantes.

O poder é efêmero, e a força, caduca. Você, por exemplo, não precisa de recorrer à História, para ter a certeza desta verdade. Basta atentar para a sua própria vida de homem público. Certo dia você estava nas culminâncias, e, no dia seguinte, quando despertou, estava na sarjeta da rua, caluniado até por aqueles que deviam a você a sua ascensão política. Nessa hora amarga, em que o deserto se estabeleceu em torno da sua pessoa, você sentiu, perfeitamente, a desgraça que representava para o país a continuação do Getúlio como Chefe Supremo da Nação, proferindo, então, aquele julgamento lapidar: “O Getúlio não deixa ninguém sossegar, e muito menos o Brasil”.

Você pode ter se esquecido deste julgamento, mas eu o tenho para sempre fixado na minha memória.

Pode, assim, imaginar o assombramento com que assisto o seu esforço, na sombra, para que, em nome de um relativismo oportunista, o Getúlio continue no seu trabalho de destruição de todos os valores espirituais e morais que ainda nos restam tanto na vida pública quanto na vida particular. Mais surpreendente, ainda, é o seu procedimento atual quanto não há ainda três meses você me dizia que, no Brasil, estava se operando, por parte dos dirigentes, “uma seleção à rebours.

Ora, meu caro Campos, qual o maior responsável por essa inversão total dos valores, senão este mesmo Getúlio, que merece, agora, todas as suas preferências, e que se utiliza do seu talento, do seu preparo, e da sua experiência para lançar o país neste caos alucinante em que nos debatemos, e do qual ele pensa poder tirar, à custa de mistificações sucessivas, uma fórmula que lhe permita perpetuar-se no poder supremo do país, que ele infelicita com a sua ambição medíocre, e os seus propósitos corruptores?

Não fui nem sou político, e muito menos aspirei jamais a qualquer posição política. Por outro lado, você, melhor do que nenhum outro homem público do país, pode dar o testemunho direto de que tenho recusado, intransigentemente, aceitar qualquer cargo na administração pública, ou tentado me servir das minhas relações pessoais com alguns dirigentes da Nação para conseguir quaisquer favores pessoais, ainda mesmo quando ligados ao exercício da minha profissão de advogado. Falo, assim, sem ódios, ressentimentos, ou despeito. Penso, deste modo, que não se me poderá recusar autoridade para falar com a rudeza de que esta carta é documento expressivo.

Sem ambições de qualquer espécie, alheio às facções em luta, e superior aos interesses econômicos e financeiros que disputam a posse do poder, venho solicitar de você, meu caro Campos, que trabalhe, na medida das suas energias, pela dignificação da vida pública brasileira. Tenha piedade, ao menos, do futuro dos nossos filhos. Este é o apelo que, em nome da nossa amizade, ouso aqui formular.

Abraços cordiais do sempre todo seu,

[Sobral Pinto]

Acervo Sobral Pinto/ Instituto Moreira Salles