[Curitiba], 25 de julho de 1956

Otto:

ao escrever-lhe queria já poder mandar o 1º capítulo do romance, episódico ou não. Como isso, ao que parece, pode levar a vida inteira, escrevo-lhe sem capítulo mesmo. Meu problema literário é não ter experiência humana: um, dois, três cabaços quando muito… Se, de fato, um verso a gente faz com palavras, não me parece que a fórmula dê certo no romance. Tudo o que sei, o que li, o que adivinho cabe, quando muito, num conto… Com 10 contos sobre os mesmos personagens farei um romance? Duvido muito. Mas 30 anos não é tempo de dúvidas, mas de certezas; vamos portanto ao romance. Esse é o meu problema, já não falo de escrever um… grande? grande romance, simplesmente um seja bem, seja mal escrito. Ao que penso, esse não é o teu problema. Se bem me lembro, você procura conter a história no limite do conto. Quando me lembro do sistema Balzac: a cidade, a rua, a casa, daí o homem etc. Me dá um cansaço, ai, ai que preguiça do Macunaíma. Já quero começar na morte do homem; evidentemente, com a morte de cujus acaba a história.

Era bom escrever uma história linda de amor: João gostava de Maria, que não gostava dele. Mas tem tanto bom dia, senhora condessa! E se, afinal, escrevemos é para ser lidos. Veja o que aconteceu com o Faulkner, levou 10 anos escrevendo Uma fábula; duvido que você consiga ler. Tentei, tentei, não pude. Escrevamos difícil, mas depois de ter sido claros, ao menos uma vez.

Como está me parecendo que é uma carta muito chata e você não a deixe sem resposta, proponho que falemos então de nossos contos. Você me manda um, mando-lhe outro e nos esculhambamos mutuamente. Até lá, continuo experimentando o primeiro capítulo.

Com um grande abraço,

Dalton

Acervo Instituto Moreira Salles/Otto Lara Resende