19 dez. 1956
Fernando, como contar-lhe o meu entusiasmo pelo seu livro? Recebi-o ontem, pela manhã e decidira ler à noite, pois tinha faturas a assinar e cartas comerciais a responder (sou um comerciante como v. sabe). É preciso fazer média na firma, no fim do ano… O livro ali em cima da mesa era uma tentação. Abri-o numa página qualquer, no meio e quando vi já tinha lido mais de quarenta. Mandei à merda as faturas e comecei a ler do começo. Enquanto não o li fui um péssimo comerciante de pratos e um péssimo marido, que se recusou a qualquer visita. Esse é o primeiro elogio que faço ao seu livro, Fernando, e não sei de outro maior. Seu livro prende, arrasta, engole o leitor. (O Mario começou a ler e não pode mais largar, tinha um encontro às seis da tarde com uma grande mulher e entre a mulher e seu livro ele preferiu o livro! Deixou encontro, deixou mulher, deixou faculdade – ele é professor
lá – por sua causa, Fernando, ele está puto com você). Porque nem ao Mario, nem a mim, nem a ninguém que for ler ele deixará indiferente? É claro que v. tem a chama sagrada, Fernando. Seu livro está tremendamente bem escrito, é quase um desperdício de talento. Como v. é brilhante, puxa! Brilhante demais, às vezes, dói nos olhos. V. nos pôs a todos nós dentro do chinelo. Ninguém, absolutamente ninguém seria capaz de escrever mais bem qualquer frase do seu livro. O que o elege um clássico, Fernando, sua frase dá a pinta dum clássico. Nada demais, nem adjetivo, nem imagem, nem vírgula e não pense que não sei quanto isso custa. Já não falo do seu diálogo, que é simplesmente perfeito, não deixo por menos. Teu ouvido, Fernando, deve ser um gravador de fio. Como v. guardou tanto boleio de frase coloquial e com que técnica aproveita cada palavra dita. Por falar em técnica, seu livro é um romance e, ao mesmo tempo, uma arte do romance, agora é v. que não deixa por menos, Fernando. Você resolveu todos os problemas, ao menos de como fazer um romance. Apresentação dos personagens, diálogo (v. é um mestre do diálogo, Fernando, com luxo de variações, direto, indireto, simultâneo, que sei eu?), tempo… v. faz miséria com o tempo, Fernando, que dizem ser o maior problema (a passagem dele) no romance. Você escreveu um livro de gente grande, Fernando. Um livro de mesmo, uma coisa que é um livro, e um livro que fica de pé na estante. Um livro que gostarei muito de discutir com v., quando aparecer aí em janeiro. Por hoje, tenho pressa de te contar todo o meu entusiasmo, a alegria de sua descoberta. Um grande abraço do –