Rio de Janeiro, outubro de 1956
É sabido que certo cidadão de Itabira, sempre vigilante e gentil para com as comemorações de amigos, se sente mais à vontade quando o deixamos a sós, nas suas próprias comemorações.
Não obstante, um grupo desabusado de velhos cupinchas resolveu rebelar-se desta vez (tranquiliza-te, Carlos, os conspiradores são poucos, não se fez subscrição, não se convocou a ninguém, nem mesmo na esfera restrita dos íntimos!). O impulso veio de dentro de cada um e, não contente com as expansões costumeiras, quis corporificar-se num objeto.
Imaginou-se: o poeta prefere o recolhimento, neste dia para nós conspícuo, mas, afinal, uma engenhoca de fazer música não lhe será molesta, já que é aparelho dócil aos desejos do homem. Movendo-se o dial, anjos mozartianos se desprenderão do negro disco em que se acham aprisionados; ou as angústias e alegrias de um gênio surdo, transfiguradas nas mais belas sonoridades que já se arrancaram ao cosmo, entreterão os serões de Carlos e Dolores. Mas, quando a alma pedir silêncio, sem esforço à mão se imporá à máquina. Pois, na verdade, há instantes em que a mais doce música pode enervar-nos.
Com esta exposição de motivos e um grande abraço, aí fica a lembrança amiga.
Cyro & Drummond: correspondência de Cyro dos Anjos e Carlos Drummond de Andrade. Organização, prefácio e notas de Wander Melo Miranda e Roberto Said. São Paulo: Globo, 2012, pp. 239-241.