Nova Iorque, 28 de junho de 1984

Armando querido:

Não foi uma carta que recebi. Foi você inteirinho dentro do envelope. Papel de serviço público, caligrafia psicoirrepreensível, mergulhando vestido. Quase morro de saudades. Saudades de implicar com você. Aqui tem tudo que a gente possa pensar self-made men, freaks, junkies, scholars, artists, qualquer coisa, mas não tem nada parecido com você. Isso aí eles ainda não inventaram. E não sabem o que estão perdendo.

Semana que vem me mudo pela 5ª (!) vez. Saio de 1 ap. com planta na janela, 2 quartos, bem de luxo com elevador e porteiro fardado na West End Avenue (tipo Morro da Viúva) para 1 loft perto do Soho que só tem móvel de escritório de aço, um espação com 1 cama no alto. Inventei, inventei, que isso é que era experiência, agora estou lívida de medo. Releio suas considerações sobre “pobre de nós, antimodernos” e de repente acho que vou me fuder. Enfim, cenografia é minha profissão real. Personagens, nem tanto. Quem sabe se compro 2 gatos e estamos conversados?

Vou ficar mesmo até dezembro porque é a maior caretice interromper 1 bolsa conseguida para pagar Cr$900,00 de gasolina (li no Globo de ontem). Além do que capitalismo louro é o maior barato. E o Brizola? Todo mundo me escreve dizendo que ele está um horror. É verdade? Minha última ilusão, era tudo engano? Conta pra mim.

João continua a 1000, fica tão fascinado de estar estudando que não pára de comprar apontador e borracha. No momento, está sóbrio e um santinho. Eu me sinto entre parênteses acho esse lugar a melhor coisa do mundo mas dá, de repente, aquela lembrança de que boa romaria faz quem em casa fica em paz. Tenho medo de voltar meio chata, o que seria catastrófico. Escreve logo, com a letra menos bonita para eu não ficar tão com saudade. Beijão para Cristina.

Love

Helô