Berna, 11 [de] setembro [de] 1948

Minhas irmãzinhas queridas,

Vocês devem ter recebido o telegrama de Maury – Pedro nasceu ontem, dia 10, às 7h30 da manhã. Estou escrevendo na madrugada de 11, porque não posso dormir direito. Estamos muito contentes, Maury e eu: a criança é sadia, fortona, pesa uns três quilos, seiscentos – por enquanto é a cara do Maury… Eu sofri muito. O médico achou que o bebê estava tardando e eu me internei no hospital no dia 9 de manhã. Eles começaram a provocar as dores por intermédio de injeções. Às 2 horas da tar­de comecei a perder as águas e às 2 ½ as dores se instalaram. Sofri de 2 ½ do dia 9 até 7 e pouco do dia 10. Mas apesar das dores fortes e frequentes a dilatação, não se sabe ainda por que, não se fazia. Então o médico resolveu fazer cesariana. Não se assustem, correu tudo bem. Só que na hora o médico e as enfermeiras não estavam com boa cara, estavam meio impressionados. Eu disse que se fosse questão de espe­rar e sofrer ainda, eu esperaria, contanto que a criança não corresse perigo. Mas o médico disse que a criança estava correndo perigo se não nascesse logo, porque ele não conseguia adivinhar os motivos da demora; que minha bacia era bastante larga e que a criança estava em boa posição. Maury e eu assinamos um papel dizendo que estávamos de acordo e éramos responsáveis. Toda essa encenação necessária nos custou muitos nervos. Às 7 horas o médico resolveu operar, às 7h15 me botaram a máscara de gás e às 7 ½ o Gildinho nasceu – nasceu tão vivinho e alegre… O mé­dico disse que mal abriu minha barriga, o menino deu pulinhos e chorou: que o pri­meiro choro dele foi dado dentro de mim ainda… Passei depois um mau pedaço com a anestesia – vomitando e cada esforço de ânsia era uma dor. Agora estou com um pouco de tosse e cada tosse é uma dor… Maury está dormindo no quarto, exausto.

Dia 13 – Minhas queridas, estou muito bem: o médico diz que estou ótima. Não te­nho mais febre desde ontem e hoje já tomei um caldo de arroz que me deu muitas forças. Francamente eu não podia estar melhor. Pedrinho é tão engraçado, não acho ele muito bonito, mas é uma bola. Tem cabelos (enormes) negros, olhos escuros, um nariz por enquanto meio batatudo, umas bochechas enormes e uma boca de bico de passarinho, e os dedos compridos. O ar todo é de Maury. É uma criança muito gostosa. Reli a parte escrita na madrugada de 10 para 11, às 3 horas da manhã, e Maury leu – fica­mos bobos como a carta está lógica e direita, não parece que eu estava sob a narcose ainda. Maury diz que só se explica uma carta tão clara em tal momento porque era dirigida a vocês – desde o começo a minha preocupação era vocês. Pedrinho manda um beijo para tio William! E manda dizer a Marcinha–querida que pertence a ela, que ela vai brincar com ele quanto quiser e que ela é dona do bebê. Maury está contentíssi­mo. Ele passou maus momentos. Quando disseram que a criança tinha nascido ele me perguntou se era menino ou menina. Quando acordei da anestesia ele me mostrou a criança e eu disse que ela tinha cara de chauffeur de táxi e que era feia. Maury parece que ficou triste e custei a convencê-lo de que eu falara ainda narcotizada.

Leinha querida, recebi hoje sua carta do dia 8, foi tão bom ouvir qualquer coisa de vocês, mesmo anterior ao nascimento. Vocês receberam o telegrama que Maury passou, não? Foi o primeiro que ele mandou porque sabia como eu estava ansiosa que vocês soubessem. Ainda não se sabe se vou ter leite porque com cesariana de qualquer modo demora a vir. Maury tem sido tão bom e carinhoso, tem dormido aqui todas as noites, apesar de eu já poder dispensar. Mas hoje ele vai para casa. Minhas irmãzinhas queridas, estou com saudade de vocês. Vou ensinar Pedrinho a gostar de vocês tanto quanto eu gosto. Ele se chama também Gildo, porque é muito glamoroso. E também se chama Kina-Redoxon, que é o nome de um bom remédio contra gripe. Um beijo grande para a Filomeninha. Um abraço forte em William.

O meu amor para vocês.

Clarice

P.S.: Aí vão dois instantâneos de Pedrinho no segundo dia, para vocês.

Clarice Lispector. Minhas queridas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, p. 198-199.