Recife, 16 de janeiro de 1863
Meu Marcolino,
Desejo que tenhas passado bem com tua excelentíssima família.
Depois de um mês e tanto de demora (no que devias estranhar-me) vou escrever-te. Mas não podes imaginar a razão. É que eu havia perdido a tua carta e não sabia a quem fazer a adresse, de sorte que contra a minha vontade era réu de alta negligência. Hoje, felizmente, encontrei a tua carta, que por muito guardada parecia perdida. Desculpa-me a demora. Como terás já talvez notado pelo lugar donde é datada esta carta – acho-me na insípida terra de Pernambuco. A razão?… Saí reprovado. Acharam que eu não podia entrar numa academia tão “ilustrada”!…
Mas sabes o que mais eu senti?
1º. Deixar de ver minha família, que eu devia ir ver depois de dois tão longos anos. Deixar de ver meu pai, minhas irmãzinhas.
2º. Ver desmanchados os nossos planos de coleguismo… Aqueles projetos de passeio a São Paulo, de estudarmos juntos etc.
A não ser isto eu não ligara importância alguma.
Minha vida passo-a aqui numa rede olhando o telhado, lendo pouco, fumando muito.
O meu “cinismo” passa a misantropia. Acho-me bastante afetado do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. De vez em quando vou à Soledade. Aí há uma menina bem bela, mas, meu amigo, é a flor sem perfume de que fala Álvares de Azevedo. Coração leviano como o volver de seus olhos, porém mulher meridional e ardente como o atestam sua pele morena (sabes que eu sou doido pelas morenas) e seus belos cabelos negros, negros como a noite. Ela me diz que o seu coração é meu, mas eu penso que é do vento.
E todavia este afeto de nada me enche o coração. Eu estou talvez bem frio. E no entanto tu sabes como eu sou. É que quem se sente junto ao fogo de palha, por mais que as chamas se elevem, não lhes sente o calor. Pelo contrário, este sentimento, por assim dizer, macaqueado do meu ideal, não consegue mais do que fazer que eu sinta um vácuo imenso no coração.
Ela, porém, é bela, ardente, voluptuosa. Mas considera-me, talvez, como um específico contra o spleen. Eu também considerá-la-ei.
Afora isto, não tenho coisa alguma para me divertir.
Tinha tanto a dizer-te, mas o maldito vapor pouco pôde esperar, e os meus companheiros estão a dizer-me que acabe.
É o que tenho a dizer-te de mim.
Tu deves ter vivido imensamente bem.
No seio da família, junto dos entes mais queridos da alma, a vida passa sempre rápida e veloz.
Adeus, meu Marcolino, recomenda-me à tua excelentíssima família e aceita um abraço apertado do verdadeiro amigo
Castro Alves
Castro Alves. Obras completas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1921, pp. 429-431.