Embora não seja de me alegrar à toa, eis-me contentíssimo, com o telefonema recebido esta manhã. Do outro lado da linha, Carlos Drummond de Andrade a me pedir uma crônica sobre o Rio, para certa Antologia, que ele e Manuel Bandeira estão preparando. Claro, meu exultamento não tinha nada a ver com a possibilidade de me tornar antológico, mas era completo, no simples fato de Carlos Drummond, esse homem tão direito, descobrir meu telefone e, vencendo sua digníssima timidez, procurar-me com tanta bondade.
Sabe, poeta? Quando meu pessoal (jovens escritores, a secretária, Dona Verinha) chegou para trabalhar, fiz a pergunta, em tom da mais falsa e feliz naturalidade:
– Sabem quem me telefonou, hoje, de manhã? Carlos Drummond de Andrade.
E todos, com assombrada inveja do patrão que Deus lhes deu:
– Foi meeeeessssmo?
Meu caro Drummond, por mais incrível que pareça, jamais guardei o que escrevi. Simplesmente, porque não acredito no que escrevo. Minhas crônicas, suporto-as, enquanto as escrevo; detesto-as logo depois, quando as releio; esqueço-as, quando descem às oficinas. Faço bem, eu sei. E, se a maioria fizesse assim, não haveria tanta besteira por aí, impressa em livro e consagrada em noites de autógrafos. Juro, que não sei onde estão minhas crônicas, desde as primeiras, escritas aqui mesmo, no O Jornal, no Comício e no Diário Carioca. Não sei, nem me lembro delas. Só uma gostaria de ter e ver em livro – a que descreve meu encontro com você, de tarde, em Ipanema. Eu lhe disse, com uma simplicidade quase agressiva:
– Sou Antônio Maria e tinha muita vontade de lhe conhecer.
Você respondeu, sem nenhuma preocupação de me pôr à vontade (nem eu queria):
– Ah, o prazer foi meu.
Por que você não reedita essa crônica, Drummond? É uma crônica do Rio. E será mais ainda, se editada de um cenário bragueano: “Ao fundo, as ilhas Rasa e Cagarras”.
Quero poupar você de andar por aí, pelas redações, à procura do que escrevi. E poupar-me, em seu bom gosto de, após a procura, me dar toda a razão quando acho que nada do escrevi vale menção. Foi quase tudo feito cavilosamente, para a mulher vigente. Na verdade, eu não queria escrever. Queria a mulher.
Hoje, por exemplo, estou felicíssimo, porque amiga minha (que é sua também) incluiu-me em um dos seus sonhos. O primeiro sonho lírico (venial) de sua vida, já pensou? Os outros foram eróticos. Mesmo assim, sonhado como ornamento lírico, estou convencido de que a vida é perfeitamente suportável.
Publicado em O Jornal, 20 set. 1964. Pode ser lida também no Portal da Crônica Brasileira.