Poços de Caldas, 2 de abril de 1988
Caros Fernando, Otto e Paulo:
Como só tenho certeza quanto ao endereço atual do Otto, mando para lá esta carta que aliás é mesmo indivisa, porque numa hora dessas não consigo pensar em cada um, mas em vocês três, mutilados do quarto amigo, cuja falta vão com certeza sentir em conjunto, como um corpo que perdeu uma das partes essenciais.
Quero dizer apenas que tenho pensado muito em vocês, imaginando como se sentem sem o elemento por excelência irradiante da famosa quadra de ases. Por uma série de coincidências, de vocês, foi ele o que mais encontrei nos últimos anos, como companheiro de PT e de Fundação Wilson Pinheiro, sem esquecer uma viagem a Cuba, onde convivemos e nos divertimos muito.
Vocês fazem ainda parte do mundo de que já tenho saudades e no qual os precedi como mais velho de 5 ou 6 anos na amizade de Mário de Andrade, na rebeldia contra o Estado Novo, na tentativa de encontrar novos caminhos depois do Modernismo e antes dessa borracheira presente.
Vocês sempre foram para mim os brilhantes cadetes de Belzonte que conquistaram o Rio a toque de caixa e alta luta, marcando a literatura com rara força de personalidade. E o Hélio me parecia o que ainda não tinha querido dizer a palavra esperada, fora, é claro, do campo profissional, onde brilhou e renovou. Por mim, insisti muito para que reunisse em livro os notáveis artigos com que sabia remanipular a visão das coisas, demonstrando uma originalidade de expressão como poucas vezes se vê. Naturalmente vocês agora ajudarão a preencher esta lacuna.
Meus caros, queiram-me sempre como eu quero a vocês. E recebam, com o de Gilda, o mais sentido abraço do
Antonio Candido
Arquivo Otto Lara Resende / Acervo IMS