Guanabara, 9 de fevereiro de 1967
Meu caro Celso, sua carta de 14 de janeiro só me chegou às mãos a 3 de fevereiro, véspera do Carnaval, quando eu estava de malas prontas para fugir para Teresópolis. Mas me valeu uma excelente visita do Lucio Costa. O Lucio chegou aqui em casa entre nove e meia e dez horas da noite e começamos a conversar. Às dez horas entramos no meu período de racionamento de luz devido aos estragos das chuvas e continuamos a conversar sobre a China Vermelha e a corrida espacial à luz de velas. Depois acompanhei o Lucio, com uma lanterninha elétrica escada abaixo (quatro andares) e fiquei esperando na portaria os alguns minutos que faltavam para que se encerrasse o período do corte. Tive vontade de andar até a beira do mar, que fica a um minuto a pé do edifício. Mas, com a falta de luz e força, a elevatória funciona pior ainda e a maresia vem envolta num cheiro daquilo que os franceses chamam de merde. Resolvi subir as escadas a pé mesmo como se a conversa com o Lucio tivesse sido com algum ser extraterreno, com suas notícias da Europa, e estivesse voltando à realidade pátria.
Quanto à sua carta é claro que faço o artigo. Se você tiver alguma especificação mais exigente quanto ao número de palavras, mande dizer. Eu faço, caso contrário, um mínimo de 3 mil palavras (umas dez páginas à máquina, espaço 2) e um máximo de 5 mil.
Meu livro de que você ouviu falar chama-se Quarup (festa indígena xinguana) e não consegui escrevê-lo em menos de seiscentas páginas datilografadas. Deve estar na rua entre fim de maio e início de junho e faço questão que você o leia logo que sair. Verei quem são os portadores na época. Meu herói vai de um barroquismo interior a um historicismo aceito num necessário processo de deseducação.
Terminado o livro que me custou quase dois anos de trabalho (sem trabalho remunerativo de jornais) agora estou me capitalizando um pouco. Voltei aos editoriais do Jornal do Brasil e à crítica de teatro em Visão. Mande sempre que puder notícias suas que me dão muito prazer.
Grande abraço do
Callado
Celso Furtado – Correspondência intelectual: 1949-2004. Organização de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.