Washington, 7 de setembro de 1956, Sexta-feira, 10 horas a.m.
Prezados senhor e senhora Erico Verissimo,
Como é do conhecimento dos senhores, meu marido e eu, não tendo infelizmente religião (por enquanto), criamos nossos filhos na ideia de Deus, mas sem lhes dar rituais definitivos, e à espera de que eles próprios mais tarde se definam.
Tendo terminado com algum esforço frase tão comprida, venho ao assunto principal que é o objetivo emocionado desta carta. Desejo perguntar-lhes se acreditam na possibilidade de padrinhos leigos. Eu acredito. No caso do senhor E e da senhora Fal também acreditarem, esta carta os convida, em nome de uma amizade perfeita, a serem padrinho e madrinha de Pedro e Paulo. A condição única é continuarem a gostar deles.
No caso dos senhores não aceitarem, no hard feelings. Mas a verdade é que, por três anos, vocês têm sidos os padrinhos deles, por tácito, espontâneo e comum acordo. Restaria apenas legalizar uma situação que aos poucos estava se tornando escandalosa.
Se eu disser que a ideia já me havia ocorrido mais de uma vez, os senhores hão de duvidar. Pois acreditem. Quando o senhor E. Verissimo aventou a hipótese, meu coração se rejubilou, e, quando o digo, não estou brincando.
Aí pois fica o nosso convite. A resposta deverá ser dada antes do embarque, pois, em caso de uma afirmativa, quero anunciá-la às crianças.
Na esperança do convite ser aceito, ouso assinar
Comadre Clarice
(sempre tive secreta inveja da comadre Luísa)[1]
Clarice Lispector. Correspondências. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 209.
[1] N.S.: Luísa Bertaso, mulher de Henrique Bertaso, era madrinha de Clarissa Verissimo, filha de Erico e Mafalda, e por isso conhecida como “a comadre”.