[Rio de Janeiro], novembro [de] 1912
João, queridíssimo,
Tenho uma coisa impagável. Lembras-te do Amaral França,[1] o elegante senhor do Paiz? Era o amante da madame Camacho![2] O marido, aquele cretino com ares de boneco de alfaiate barato – soube! Soube e teve ciúme. Então mandou cinco, nota bem, cinco amigos seguirem a feia Camacho e quando a bela Camacho (digo bela agora porque não se compreende uma adúltera feia) palpitava nos braços do Amaral, na sua garçonnière do Russell, deu-se o flagrante delito mais escandaloso do Rio de Janeiro.
O divórcio é amigável. Camacho chora (isto é, Camacho fêmea) enquanto Camacho de barba olha o céu pensando ver o chifre. Isso causou na bande[3] a impressão do raio. O nosso incorrigível ingênuo Sampaio ficou prostrado, e assegurou-me que felizmente a Marguett[4] era angélica.
– Uma crença incoerente.
Passei-lhe uma descompostura. Estava neurastênico.
– Pois se ela quando aquele moço ousado tentava o lar brasileiro…
Era o caso.
Então não me contive. Dei primeiro os amantes anteriores da pequena, que não te […][5] para que a tua alma de sonhador não se desiludisse no momento: o Antonio Murtinho e um italiano de São Paulo.
– E o Camacho?
– O Camacho não, que ela me jurou.
– Sebastião, você é idiota.
– Mas o João ousou.
– O João foi conquistado e você nunca foi tão imbecil na sua vida. Ele ficou corrido[6] e eu disse-lhe as verdades que estava pra dizer-lhe.
Há um eclipse geral da bande.
A minha peça[7] fez um sucesso enorme. Receitas esplêndidas, artigos. A récita do autor frisou[8] pela apoteose.
A do Neto[9] agradou muito menos, graças a Deus. Eu venço o recorde.
Estou muito grato às tuas notas sobre os Dias passam…[10] Que generoso artigo o do Mundo[11] e com que talento!
Um casto beijo.
Ainda mais contente com a certeza de que não vais para Viseu![12] Uff!
As tuas crônicas são excelentes. Admiravelmente benfeitas.[13]
Grato por tudo,
O Velho Paulo
P.S.: Ia escrever-te uma longa epístola. Esse pessoal fala tanto aqui que suspendo aturdido.
João do Rio. Cartas de João do Rio: a João de Barros e Carlos Malheiro Dias. Rio de Janeiro: Funarte, 2012, pp. 111-113.
[1] N.E.: Amaral França, do jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, onde João do Rio estrearia como colunista em 14 de agosto de 1915.
[2] N.E.: Esposa do escritor e jornalista português Brito Camacho (1862-1934).
[3] N.E.: Grupo de pessoas, em francês.
[4] N.E.: Marguett, amante de Sebastião Sampaio (contista brasileiro), tinha andado nos braços também de Brito Camacho e de João de Barros, além de outros… João do Rio se divertia com a fofoca amorosa no meio político e literário.
[5] N.S.: Trecho suprimido na edição-base.
[6] N.E.: Envergonhado.
[7] N.E.: Peça A bela madame Vargas, de 1912.
[8] N.E.: Chamar atenção para algo que se diz ou se escreve, destacar, ressaltar.
[9] N.E.: Peça de Coelho Neto O dinheiro, encenada no mesmo período, fez menos sucesso que a de João do Rio. Segundo Raimundo de Magalhães Jr., biógrafo de João do Rio, ao escrever sobre A bela madame Vargas, a “peça fez sucesso e, já depois de ter saído de cena e substituída, no cartaz, por O dinheiro, Figueiredo Pimentel publicava, na seção ‘Binóculo’, da Gazeta de Notícias, uma carta pedindo que a companhia do Municipal desse nova récita de A bela madame Vargas, ainda que em matinée. Coelho Neto ficou profundamente irritado, acreditando que Paulo Barreto, num rasgo de cabotinismo, obrigara Figueiredo Pimentel a dar tal nota, que lhe custaria caro”. (MAGALHÃES JR., Raimundo de. A vida vertiginosa de João do Rio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 195).
[10] N.E.: Os dias passam…, livro de crônicas publicado pela Lello & Irmão, em 1912.
[11] N.E.: O Mundo, jornal de Lisboa.
[12] N.E.: Cidade portuguesa.
[13] N.E.: Nesse período, João de Barros escrevia para a Gazeta de Notícias.