Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1922

Meu pai muito querido,

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Foi hoje, há onze anos, que pela última vez lhe beijei as mãos pedindo-lhe perdão dos inumeráveis desgostos que lhe dei com minhas faltas. Foi hoje: grande dia! Dia do triunfo da graça, da manifestação da Onipotência e da Misericórdia de Deus. Creia, meu pai, esse chamamento à vida religiosa é divino; essa força não é nossa.

Nesses onze anos como tenho sido feliz! Quantas graças te­nho recebido! Grandes dores tive, sim: a morte do meu Abrilzinho[1] e de minha avó e também da Irmã Maria da Conceição[2] a quem eu muito queria; grandes trabalhos, grandes preocupações e responsabilidades; mas a felicidade de estar na casa de Deus, de viver em sua tão íntima convivência, de sofrer e trabalhar com Ele e por Ele sobrepuja tudo. Nossa vida é toda santa, toda inocente, toda celeste. Oh! como é bom estar aqui!

Neste aniversário, meu querido pai, peço-lhe que não me prive por mais tempo da consolação de sua presença. Venha visitar-me, sim? Se não for para sua consolação, seja para a minha. Por que me nega uma felicidade que me pode tão facilmente proporcionar? Pensa que o Carmelo tira o amor à família? Não: hoje sou incom­paravelmente mais amorosa que quando estava no mundo. Olhe que fico à sua espera.

[…][3]

De saúde passo muito bem desde o princípio deste ano. Já tomei as injeções do doutor Mendonça. Creio que estou melhor do que antes de ficar doente. Passei mal uns sete meses, principal­mente três. Abençoe a filha,

Honorina

Madre Maria José de Jesus. A voz do silêncio. São Paulo: Edições Loyola, 1992, pp. 81-82.

[1] N.S.: Abril era o apelido de Fernando, um dos quatro irmãos de madre Maria José de Jesus.
[2] N.E.: Adélia, a avó materna, morre em 9 de dezembro de 1920, aos 93 anos, com câncer. A Irmã Maria da Conceição faleceu aos 27 anos e com 5 anos e 9 meses de vida religiosa, em 3 de setembro de 1920.
[3] N.S.: Trecho suprimido na edição-base.