Paris, 15 de outubro de 1856

Olímpia,

Muito tenho para lhe escrever, minha Olímpia, e mais depois da perda que ambos acabamos de sofrer; nisso acharia eu uma triste consolação, que debalde se procura entre pessoas indiferentes.

Depois de tantos cuidados, quando tinha todas as esperanças de que a nossa pobre filha vingaria, quando todas as cartas que recebia mais me confirmavam essas esperanças, de repente, sem o esperar, sem o poder supor, recebo essa triste notícia.

A sua dor é justa, Olímpia; mas receio que seja demais. Não andamos neste mundo senão para que se faça a vontade de Deus. Ele nos tinha dado uma filha, e tornou a tomá-la para si. E quantos e quantas morrem sem terem provado esse amor de pai e mãe? O que ninguém nos pode tirar é a lembrança de que a possuímos, é a consolação de que temos um anjo no céu, que vela e roga por nós. Pois quando nos chegar a nossa hora, teremos uma prisão de menos, e a alma se nos soltará do corpo com mais facilidade com a esperança de a vermos entre os escolhidos do Senhor. Chegue essa hora quando Deus a mandar, mas não nos precipitemos para ela, esquecidos de outros deveres que ainda nos prendem à terra.

Conformo-me com a vontade de Deus. Sei que há dores que só o tempo gasta, quando as não cure; mas desejaria e peço a Deus que lhe lembre que você, além de ter sido mãe, também é filha. Seu pai me escreveu de modo que me inspira receios por você e por ele; lembre-se dele e tenha coragem para viver.

Tive filha para os cuidados que me deu enquanto foi viva, para a chorar depois de morta. Essas mil meiguices e gentilezas da infância, não lhas desfrutei eu, senão pouco, bem pouco tempo. Se a amava, você o sabe; se eu lha pudesse restituir a troco da minha vida, a troco de braços e pernas, de modo que ficasse reduzido a um cepo bruto e inerte, é o que penso algumas vezes quando no meio de trabalhos ou de estudos para que não tenho já cabeça, ou de indiferentes e estranhos, me surpreendo com os olhos arrasados de lágrimas, e caio em mim de que o que foi já não tem remédio. Mas por isso mesmo me lembro de seu pai, e por experiência conheço quanto custa esta inversão na ordem da natureza que nos obriga a chorar a morte de uma filha.

Não lhe escrevi de Lisboa, Olímpia, porque parti atabalhoadamente. Foi no momento de partir que recebi cartas do Rio. Não sei que pressentimento tive que não pude acabar comigo de as abrir em terra; embarquei daí a uma hora e foi a bordo que as li. Isto é, a sua carta não tive ainda coragem para ler: esperarei outras notícias suas, e ansiosamente as espero.

Escreva-me para Londres.

Tenha coragem e adeus. Aceite muitas saudades do seu do coração

Gonçalves Dias

Anais da Biblioteca Nacional: correspondência ativa de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação de Biblioteca Nacional, 1971, pp. 202-203.