[Rio de Janeiro], fevereiro [de 1912]
Meu caro João,
Chegou a Ema.[1] Criaturinha insignificante. O José Moraes (o empresário) literalmente sem dinheiro, porque ela em dois anos comeu-lhe duzentos contos e estragou-lhe vários negócios, não quer ser amante e ama-a. A Ema dá ataques e fornica com toda a gente. É do sangue.
A terrível senhora que me domina pela ameaça do suicídio, a senhora Aurea, apesar de ser divorcée do Porto Carrero e de sociedade, deu de fazer o Carnaval em pijama, comigo e com a Ema. Passamos quatro dias nessa orgia de que se não fala.[2]
Não escrevo para revelar tais sandices, mas para insistir quanto a reclamos de coisas tuas com antecedência – inclusive retratos. Este país está uma porca miséria como diria o Manoel[3] se estivesse em Nápoles. Mas, desde que venhas com algum, tudo se arranjará aqui. Vem passear, vem. Podes fazer aqui, em São Paulo e em Minas as conferências.[4]
E passearemos um pouco. E conversaremos. Conto não ter mais Aurea nesse momento. Uff! Ah! Poeta. Que coisa pavorosa um homem gordo amado por uma senhora triste rica.
Conto receber por teu intermédio as minhas camisas. Escreve-me com detalhes. Bateremos todos os tambores – inclusive o dos cartazes.
Desculpa a brevidade desta. Estou a morrer de uma coisa esplêndida: – o raro sono.
Do coração,
Paulo
João do Rio. Cartas de João do Rio: a João de Barros e Carlos Malheiro Dias. Introdução, organização e notas: Cristiane d’Avila. Rio de Janeiro: Funarte, 2012, pp. 95-96.
[1] N.E.: Ema de Sousa, atriz brasileira que trabalhou no elenco de A bela madame Vargas, peça teatral de João do Rio, de 1912.
[2] N.E.: Passa o Carnaval do Rio em companhia de Aurea Porto Carrero, socialite carioca, e da atriz Ema de Sousa. Supõe-se, assim, que essa carta seja de fevereiro de 1912.
[3] N.E.: Manoel de Sousa Pinto, amigo de ambos.
[4] N.E.: João de Barros viria ao Rio em agosto de 1912.