Rio [de Janeiro], 4 de janeiro de 1982
Ana Colorida,
Você é um caleidoscópio ou o quê? Quando entra, nas Residências Leonor, (tinha que ser no plural sua casa), múltipla, globe-trotter,[1] a vizinhança não se espanta diante de suas sandálias de sete léguas, de suas alpargatas sete vidas, de seus sapatos sete fôlegos?
Ana ubíqua, dúbia loura, acabará se casando com um Corisco, com um Chris, inglês refletido ou com a dúvida?
A Cruz do nome não pesa nada nas costas, de tão escondida?
Ana transeunte, sozinha, sempre entre, tão intensa, contudo, interina de si mesma (será vocação perseguida ou destino, sina, cigana, Ana Disparue, sinal de nascença?)
Ana, en passant, caridosíssima, cruz vermelha, ambulante, sonâmbula, insoníaca guiando sua ambulância, enquanto outros e outras não escutam nem compreendem o trottoir do carinho e jazem estirados ao pé dos telefones, sem asas, gagos, grávidos, desenxabidos, e ela recolhe os restos mortais das conversas para que nada se perca ou se esqueça, mesmo se o encontrado estiver ferido e atropelado.
Ana anda, Cristina olha, Cruz credo, Cesar vigia, sentidíssimas sentinelas armando-se…?
Quatro em um, como os modernos aparelhos de som. Nesta quadrilha onomástica, estereofônica, de alta fidelidade e olhos azuis-laser, quem é quem? Com quem ficará ninguém?
J. Pinto Fernandes[2]
Arquivo Ana Cristina Cesar / Acervo IMS.
Trecho de Bruta aventura em versos, de Letícia Simões:
[1] N.S.: Pessoa que viaja pelo mundo por prazer.
[2] N.S.: Pseudônimo inspirado na personagem do poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade.