É provável que Carmen Miranda não conhecesse a correspondência entre Fernando Pessoa e sua amada, Ofélia, mas espanta a coincidência de estilo nos bilhetes que a intérprete de O que é que a baiana tem enviou ao namorado, o remador do Flamengo Mário Augusto Pereira da Cunha.
Assim como o poeta português, Carmen abusava dos diminutivos. Se Ofélia recebia de Pessoa cartas em que lia “Bebezinho do Nininho, amanhã o Bebê espera pelo Nininho, sim? Jinhos, jinhos e mais jinhos, Fernando”, Carmen Miranda não fazia por menos, esbanjando diminutivos para fazer recomendações carinhosas ao namorado: “Meu Bituquinha, meu Marinho, bonitinho, fica muito direitinho no Rio, sim?”.
Coincidência ou não, o tatibitate que ela, nascida em 1909 na Várzea da Ovelha Aliviada, em Portugal, adota na correspondência amorosa muito se assemelha ao que o poeta escolheu para se comunicar com sua Ofélia. Verdade que os “inhos” empregados por Carmen são menos inocentes: “um beijinho bem chupadinho”, em cartão de 1929, mostrava uma malícia que o poeta não tinha.
Que a cantora conhecia clássicos portugueses, não há dúvida – atesta um dos postais em que ela transcreve versos do soneto “O amor é um fogo que arde sem se ver”, de Camões. Em outro cartão, com foto em que posou em estúdio da avenida Rio Branco, ela trata o namorado de “maridinho”. Era apaixonadíssima. Consta que ciumenta também. Em outro, citado acima, pede que Marinho se comporte no Rio, e certamente o faz de uma de suas primeiras viagens para fora do Brasil, logo depois de ter estreado com o sucesso estrondoso de Taí (Pra você gostar de mim), em 1930. E, está claro, antes do rompimento com Marinho, em 1932.
De modo geral, Carmen não datava os cartões. A essa lacuna se acrescenta a intrigante assinatura em alguns deles: Viola Dana. Às vezes, apenas as iniciais, V. D. Não é difícil comprovar a semelhança física de Carmen Miranda com a atriz americana, nascida em Nova York, sobretudo naquele final de década de 1920 e início de 1930, quando a brasileira ainda pintava os lábios com o desenho de boquinha pequena valorizado na Belle Époque, antes de optar pelo batom vermelho no bocão sensual que ritmava os balangandãs e as frutas.
A partir dali, viveria a glória na década de 1940, nos Estados Unidos, onde chegou a ser a artista mais bem paga do país, até a morte trágica em 1955.