Rio [de Janeiro], 10 de julho de 1853

Mano e amigo do coração,

Há muito tempo que não tenho recebido cartas tuas, sei por que desgostos tens passado e te desculpo, no entanto torna-se menor a dor que se comunica, e, ao menos de mim o digo que nas minhas horas de tristeza e de pesar, que as tenho e muitas, sinto de te não ver ao meu lado: deixo-me vencer do desânimo, e na idade que é para os ombros a força da vida, a morte se me antolha às vezes como uma grande, imensa felicidade.

Admiras-te? Que lhe hei de eu fazer se é culpa da minha imaginação? Com ela está-me parecendo que mesmo no céu teria motivos para me reputar infeliz.

Estou cansado, meu Teófilo: declino e creio que bem rapidamente. Nada tenho feito, a não ser a conclusão da Memória do Instituto, depois que cheguei ao Rio, para nada tenho gosto, nem mesmo para fazer uma viagem à Europa, porque tenho medo de deixar minha mulher em terra estranha e longe dos seus. Sinto-me de dia em dia mais fraco, mais abatido, mais incapaz de estudos sérios, de trabalhos aturados. É possível que seja imaginação, já mais de uma vez a tenho tido antes de agora; mas desta vez creio que é deveras.

Mas se assim acontecer, terei feito mal e muito mal em me casar. Não me aterrava, não me impressionava a morte, pelo contrário, havia nela, há talvez ainda agora, alguma coisa que me atrai. Viesse ela quando Deus a mandasse que eu aceitaria agradecido, como lhe agradeço a vida que me deu. Encontrei-te, meu Teófilo, e o teu exemplo me convence de que a felicidade não está em merecê-la. De que, pois, me poderia eu queixar? Amigo teu (e do Morais também), por que vos separarei eu agora, quando talvez vos não torne a ver mais? Amigo teu e dele, experimentei em mim que há na vida prazeres que a tornam desejada.

Que me importava, pois, morrer? Meus parentes? que lhes posso eu fazer ou que precisam eles de mim? Meus amigos?! sempre lhes fui pesado. Sem cuidados que me amargurassem os últimos momentos, a não ser a saudade, fantasiei-me muitas vezes um morrer solitário, mas plácido e tranquilo, sem lágrimas, sem gritos, sem companhia também. Figurava-me no meu quarto de estudo, com os meus autores ao lado, donde pudesse ver o Sol no ocaso, e a natureza e o céu que me sorrissem pela última vez, ao correr da viração da tarde, e sentindo a exalação da terra, o sussurro do mar e o perfume das flores. Que me fosse dado dizer um adeus a tudo isto na melhor de todas as minhas composições, que vos chegassem orvalhadas com as lágrimas da saudade, e depois, quando das mãos frouxas me caísse a lira, continuar ainda num fantasiar vago, ouvindo os sons mais fracos, sentindo mais tênues os perfumes, como quem adormece ao som da música que se afasta, e no meio de sombras vaporosas, de imagens radiantes, de uma harmonia longínqua, desfalecer pouco a pouco, até que no último raio que desferisse o Sol fugisse minha alma para os pés de Deus, mais cheia de erros que de crimes, mais de lágrimas que remorsos.

Agora já não hás de ver que morro como quem teve um ataque de estupor no meio da rua, correm, gritam, choram moleques e crianças, tudo numa balbúrdia e confusão que, se o pobre diabo não dá sua alma ao mesmo, é por ser infinita a misericórdia de Deus.

Hás de ver que morro assim; tomando caldos à força, coberto de sinapismos dos pés à cabeça, cercado de uma farmácia em dia de balanço, com caras de choro, com as lágrimas do estilo e uma vela de cera amarela na mão! Eis ao que se chama uma boa morte, de que Deus nos livre e guarde.

Decididamente, morrer assim mais vale viver por toda a eternidade.

Adeus, a imagem da morte que me espera faz-me rir bem contra a minha vontade.

Do teu mano e amigo

Gonçalves Dias

Lembranças e beijos à Inesota e ao Ricardinho: as lembranças dá-as a dona Mariquinhas.

Anais da Biblioteca Nacional: correspondência ativa de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação de Biblioteca Nacional, 1971, pp. 141-142.