Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1949
A Manuel Graña Etcheverry,
Meu amigo – não estranhe que o chame assim, dado o vínculo afetivo que se estabeleceu entre nós, sem sequer nos conhecermos –, aqui tenho sua carta de 24 de setembro, que minha mulher e eu lemos com o mais justificado interesse. Embora não dissesse nada de substancialmente novo sobre o acontecimento que a determinou e que já conhecíamos através de Maria Julieta, teve para nós o mérito de um cordial primeiro contato, feito de maneira tão pouco convencional, tão espontânea, que nos causou uma grata impressão.
Vejo que avaliou bem o sentido de nossa atitude, ao aprovarmos logo a escolha de Maria Julieta, que implicava na perspectiva de uma separação bastante dura para um casal que já não é rigorosamente jovem e não tem outros filhos com que se distrair. Realmente, abrimos mão da convivência com a nossa filha, e não temos nada para substituí-la, pois somos bastante misantropos. Mas, nem eu nem minha mulher desejaríamos retê-la junto a nós em tal circunstância, movidos por um amor que seria, afinal, puro egoísmo de nossa parte.
O que nos diz a seu próprio respeito aumenta as minhas esperanças de que este casamento venha a constituir um belo e duradouro entendimento entre duas pessoas preparadas para isso. Maria Julieta é quase uma criança, mas, como terá visto, bastante amadurecida intelectualmente. Algumas das concepções que ela tem sobre o mundo e as coisas serão fruto desse avanço da experiência intelectual sobre a experiência propriamente humana. Caberá ao marido ajustar no mesmo plano sensibilidade e razão. Ela não somente o ama como o admira tanto, que não tenho dúvida sobre a boa influência que poderá exercer sobre o destino de minha filha. Oriente-a e guie-a sempre no sentido mais elevado, de modo a que ela se realize plenamente e seja uma boa companheira sua em tudo – no bom como no mau tempo –, e nós lhe seremos infinitamente reconhecidos por isso.
Desde já, o que lhe posso dizer é que nos sentimos ligados a você pelo bem que quer a Maria Julieta e pela confiança que igualmente depositou nela.
Aqui o esperamos dentro de alguns dias, confiados no seu propósito de nos podermos ver a todos no futuro, com a desejada frequência.
Cordial abraço de
Carlos Drummond de Andrade
Rua Joaquim Nabuco, 81 – Copacabana
Arquivo pessoal Pedro Augusto Graña Drummond.