Para São Paulo, 1985
Querida Tomie,
Não sei se você conhece a superstição, mas me diverte quando dizem que nossas orelhas ficam quentes quando falam da gente – a direita, se falam bem, a esquerda, se falam mal. Se for verdade, você provavelmente não está precisando cobrir a cabeça para dormir no frio! Em São Paulo, a exposição organizada por Pietro Maria Bardi no MASP em 1983 foi, pelo que me consta, um feito que lhe introduziu ao grande público, numa apresentação reforçada no ano seguinte com o monumental painel realizado na empena cega de um edifício localizado na ladeira da Memória, no coração do centro histórico da cidade. Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro, até os mais insensíveis à arte parecem ter uma opinião sobre a grande escultura flutuante que você instalou na Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões postais da cidade.
Ah, se eles soubessem que daqui a algumas décadas vão conviver sem reclamar com uma gigantesca e esquisita árvore de Natal montada anualmente na Lagoa… Mas aí nos anos 1980, seja porque te enxergam como dupla estrangeira (japonesa e paulista), seja porque prezam a paisagem já atávica, há aqueles que estão resistindo à sua “estrela amarela”. Mas ela vai ficar ali, sobre as águas, pelo menos até a década seguinte, quando sua desmontagem para manutenção coincidirá com a falência da companhia responsável e, sem aviso, for revendida como sucata junto a fragmentos de embarcações.
Triste fim? Talvez, mas não podemos menosprezar a ambição dessa obra que, com toneladas de metal, deu corpo a cores e curvas tão caras ao seu repertório pictórico. Com ajuda dos reflexos da água e do brilho do sol, a intervenção na Lagoa permanecerá na memória de muitos como uma das mais audaciosas de suas obras públicas, já marcada pelo traço característico de sua abordagem escultórica: a superação do peso e das resistências dos materiais para perseguir uma forma que poderia ter sido (e foi) ensaiada com materiais leves e flexíveis como uma folha de papel.
Olhando agora, é notável que ao mesmo tempo em que retorce chapas de metal, você esteja migrando o seu pintar da tinta à base de óleo para a tinta acrílica, tão mais leve e aquosa. Nela já não haverá tanto peso, mas sim profundidades e espessuras. Suas telas em tinta acrílica me parecem mergulhos do olhar em cores e transparências sem fim, tantas e tantas vezes em direção a formas circulares e outras imagens que aludem ao cosmobraço, ao oceano e ao interior do corpo humano.
Um abraço,
Paulo Myiada
Carta afixada na parede da exposição “Tomie Ohtake 100-101”, realizada no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, de 1 de abril a 7 de junho de 2015.