Haia, 2 de janeiro de 1914 Sexta-feira, 6 horas

Minha doce Petite Chose adorée, alma de minha alma, meus formosos olhos de saudade! meu Tudo, oh!, como eu te tomaria nos meus braços apaixonados e te beijaria e na pos­se suprema realizaríamos o profundo e eterno desejo dos nos­sos seres imortalmente amantes!

Esta separação está sendo tão dura, hélas!, e não há con­solo possível para ela. Tuas cartas são divinas, nelas se refle­te a tua alma sublime, o teu coração amantíssimo e único… Mas como tu, a tua vibração sentida e vivida, o teu ser ar­dente e palpitante nas minhas mãos sôfregas, és incompara­velmente mais infinita, mais transcendental! Oh!, nossos ins­tantes de delírio e êxtase, nosso abandono infinito e tão doce, divino esquecimento. E em vez disso a separação, a tortura, o martírio. Amor! Amor! Como é dura a existência dos aman­tes separados, e se não fosse a esperança e o próprio mistério do amor insaciável, onde buscar forças para tanto sofrimen­to?

Como eu te vejo errante, inquieta, infeliz, pobre Petite Chose idolatrada, que busca o seu companheiro eterno… E hoje ausente, e por toda a parte a saudade a lhe acompanhar!

Eu também pergunto como tu, onde está a minha aman­te sublime neste momento. O seu pensamento, o seu coração, oh!, fidelidade absoluta, esses estão cheios de paixão. Mas o que faz ela?… Onde as exigências da vida a conduzem, heroí­na do amor, santa da paixão?!… Mas por toda a parte Ela vive em mim, como Eu vivo nela!, e tudo nos separa de todos e um halo misterioso, sobrenatural a protege, e a torna longínqua, como a Estrela inatingível…

Estou tão triste hoje! E não te quero escrever de tristezas… Mas que fazer? Não é desânimo. Não. E o indefinível da se­paração, é a ânsia de ti, amor! Que vida horrível levo aqui! Ontem fiz três visitas oficiais. Depois, jantar na legação ar­gentina, que horror! Mas quando voltei, meti-me no meu sa­lão, e acabei de escrever para ti, meu Amor, o resumo da his­tória da guerra de Troia e do ciclo troiano. Sei que tu já estu­daste o assunto, o que muito, muito me alegrou. Mas eu te mando o que fiz para confrontares com o que tu sabes e para teres uma interpretação minha, pessoal. Não tive livro nenhum para me ajudar, apenas verifiquei num pequeno Larousse os nomes dos reinos, dos guerreiros e chefes gregos. O “resto” é composição minha. Tu me dirás como te pareceu. Empreguei o estilo familiar das narrativas.

Estou danado por não poderes levar para casa os trági­cos gregos. Que sujeito mais imbecil e mesquinho!, pobre Amor meu! […].[1] Oh!, tu, meu doce Amor!, como tu és grande, sublime e como eu te adoro e te admiro! Tu és uma verdadeira e incompará­vel heroína e eu esqueço martírio, sofrimentos que me espe­ram, porque te sei firme, inabalável, sublime, única, divina! Meu Amor! Tu sabes que os nossos pensamentos se comuni­cam eternamente! que eu vivo de ti, minha criatura idolatra­da, que eu penso, me agito, crio, me elevo, e sonho, e venço, porque a minha força se apoia e se alimenta da tua poderosa paixão e de tua radiante e sobrenatural beleza, cujo mistério eu possuo soberanamente, eternamente!

Oh!, escreve-me, dá-me a tua alma que é a minha alma nas tuas mágicas palavras e eu suportarei ainda este martírio! Amor, eterno e sublime Amor!

Já fui muitas vezes ao correio e ainda não chegou o teu telegrama tão desejado. Esta, tu vais receber amanhã, e como domingo não é certo saíres, telegrafarei anunciando a parti­da do Rodrigo.

Hoje é a noite da corte, mas não haverá baile por causa da morte da velha rainha da Suécia. Melhor.

Ainda e sempre beijos e toda a minha alma apaixonada num beijo eterno!

Adoração! “Fidelidade absoluta!” Para a vida e para a morte!

[…][2]

O Modernismo na Academia: testemunhos e documentos. Organização de Josué Montello. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1994, pp. 181-183.

[1] N.S.: Trecho suprimido na edição-base.
[2] N.S.: Na edição-base há um estudo sobre a Guerra de Troia que não foi reproduzido aqui.