Rio de Janeiro, 1º de fevereiro de 1865

Meu caro senhor,

Tenho em vista o Diário de ontem, na crônica “Ao acaso” deparo com algumas linhas ao meu respeito, caídas de sua pena; li e reli o que sobre mim escreveu, e depois de meditar sobre estas linhas decidi-me a aventar sobre elas as duas considerações que se seguem:

Não sou poeta; as minhas toscas composições, escritas nas minhas horas vagas, ainda não pretendem a tanto; o título pom­poso de poeta que, por extrema bondade, e complacência, dignou-se-me aplicar, poderia, esmagando a minha nula valia, encher-me de um orgulho sem fundamento, que me elevasse aci­ma do que eu realmente sou, se porventura não tivesse a indestrutível convicção de que ele verdadeiramente me não per­tence, e de que me foi aplicado por um poeta, que, talvez por sim­patia ou por outro qualquer motivo, desejando estender-me a sua mão de apoio e de animação, me deu títulos superiores às qualida­des que realmente eu possuo.

Escrevo versos, é certo; porém estes versos, sem cadência e sem harmonia, não podem elevar o seu autor à altura de poeta, se bem de inferior plaina; agradeço portanto o título, que me não pertence; aceitá-lo, ou tacitamente deixá-lo passar, seria preten­der aquilo a que jamais poderei aspirar; seria encher-me de um falso orgulho, julgando meritório um título que só a benevolência e a complacência me poderiam conferir.

Esta é a primeira consideração que a leitura de suas linhas sugeriu em minha mente; de mais, cabe-me dizer-lho: de uma cer­ta idade em diante pretendo me não mais aplicar à poesia; nesta idade em que minha inteligência ainda não pode discutir sobre o positivo e o exato, deixo que a pena corra sobre o papel, e que minha acanhada imaginação se expanda nas linhas, que ela com­põe; mas, quando as minhas faculdades concentradas pelo estudo e pela meditação se puderem aplicar ao positivo, e ao exato, deixa­rei de queimar incenso às musas do Parnaso, para me ir alistar na fileira dos mais medíocres apóstolos do positivismo, e das ciências exatas; é um protesto para cujo cumprimento peço a Deus força de vontade e firmeza de resolução. Entendo, meu caro poeta, que desde uma certa idade a nossa imaginação perde o seu vigor; as utopias e as fantasias, que alimentam a imaginação dos poetas, cessam desde que ele penetra numa vida cujas vicissitudes lhe de­monstram o absurdo dos seus cálculos; e cujos caprichos e contra­riedades são a perfeita antítese dos sonhos dourados de sua fanta­sia e dos prazeres, e das vigílias felizes, que em seus cálculos de utopista e de poeta ele um dia concebeu.

É por isso que por ora dou asas à minha imaginação; mas um dia virá, e este dia talvez esteja perto, no qual me desligue comple­tamente desse mundo de visionários, para ir tomar parte no grê­mio daqueles que, mais chegados às realidades da vida, conside­ram este mundo como ele realmente é. São estas as duas conside­rações, que por ora julguei dever fazer às linhas a meu respeito.

Disponha do pouco préstimo daquele seu criado obrigado

Joaquim Nabuco

Correspondência Machado de Assis & Joaquim Nabuco. Organização de Graça Aranha. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras/Topbooks, 2003, pp. 89-90.