Detalhes da Carta

Joaquim Nabuco era aluno do Colégio Pedro II e tinha apenas 15 anos quando escreveu esta carta a Machado de Assis em resposta à saudação que o autor de Dom Casmurro lhe fizera no folhetim “Ao Acaso”, do Diário do Rio de Janeiro, em 31 de janeiro de 1865.

Rio de Janeiro, 1º de fevereiro de 1865

Meu caro senhor,

Tenho em vista o Diário de ontem, na crônica “Ao acaso” deparo com algumas linhas ao meu respeito, caídas de sua pena; li e reli o que sobre mim escreveu, e depois de meditar sobre estas linhas decidi-me a aventar sobre elas as duas considerações que se seguem:

Não sou poeta; as minhas toscas composições, escritas nas minhas horas vagas, ainda não pretendem a tanto; o título pom­poso de poeta que, por extrema bondade, e complacência, dignou-se-me aplicar, poderia, esmagando a minha nula valia, encher-me de um orgulho sem fundamento, que me elevasse aci­ma do que eu realmente sou, se porventura não tivesse a indestrutível convicção de que ele verdadeiramente me não per­tence, e de que me foi aplicado por um poeta, que, talvez por sim­patia ou por outro qualquer motivo, desejando estender-me a sua mão de apoio e de animação, me deu títulos superiores às qualida­des que realmente eu possuo.

Escrevo versos, é certo; porém estes versos, sem cadência e sem harmonia, não podem elevar o seu autor à altura de poeta, se bem de inferior plaina; agradeço portanto o título, que me não pertence; aceitá-lo, ou tacitamente deixá-lo passar, seria preten­der aquilo a que jamais poderei aspirar; seria encher-me de um falso orgulho, julgando meritório um título que só a benevolência e a complacência me poderiam conferir.

Esta é a primeira consideração que a leitura de suas linhas sugeriu em minha mente; de mais, cabe-me dizer-lho: de uma cer­ta idade em diante pretendo me não mais aplicar à poesia; nesta idade em que minha inteligência ainda não pode discutir sobre o positivo e o exato, deixo que a pena corra sobre o papel, e que minha acanhada imaginação se expanda nas linhas, que ela com­põe; mas, quando as minhas faculdades concentradas pelo estudo e pela meditação se puderem aplicar ao positivo, e ao exato, deixa­rei de queimar incenso às musas do Parnaso, para me ir alistar na fileira dos mais medíocres apóstolos do positivismo, e das ciências exatas; é um protesto para cujo cumprimento peço a Deus força de vontade e firmeza de resolução. Entendo, meu caro poeta, que desde uma certa idade a nossa imaginação perde o seu vigor; as utopias e as fantasias, que alimentam a imaginação dos poetas, cessam desde que ele penetra numa vida cujas vicissitudes lhe de­monstram o absurdo dos seus cálculos; e cujos caprichos e contra­riedades são a perfeita antítese dos sonhos dourados de sua fanta­sia e dos prazeres, e das vigílias felizes, que em seus cálculos de utopista e de poeta ele um dia concebeu.

É por isso que por ora dou asas à minha imaginação; mas um dia virá, e este dia talvez esteja perto, no qual me desligue comple­tamente desse mundo de visionários, para ir tomar parte no grê­mio daqueles que, mais chegados às realidades da vida, conside­ram este mundo como ele realmente é. São estas as duas conside­rações, que por ora julguei dever fazer às linhas a meu respeito.

Disponha do pouco préstimo daquele seu criado obrigado

Joaquim Nabuco

Correspondência Machado de Assis & Joaquim Nabuco. Organização de Graça Aranha. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras/Topbooks, 2003, pp. 89-90.