Detalhes da Carta

Por vezes, alguns poetas são capazes de subverter a natureza inútil da poesia. Entre maio e outubro de 1975, Ferreira Gullar escreveu um de seus livros mais famosos, Poema sujo, durante seu exílio na Argentina, provocado pela ditadura militar. Se, para Gullar, a poesia nasce do espanto, foi com a mesma sensação que o público-leitor recebeu os mais de dois mil versos contidos no poema-livro. Tamanha comoção suscitou uma série de pedidos ao governo para que o autor voltasse ao Brasil. Ainda que as gestões não tenham dado resultado, Gullar voltou por conta própria, sentindo que Poema sujo havia criado condições de regresso. Nesta carta à escritora Olga Savary, morta em maio de 2020 vítima da Covid-19, Gullar elogia poemas da autora de Espelho provisório (1970) e Sumidouro (1977) e anuncia a realização de Poema sujo.

Buenos Aires, 28 de novembro de 1975

Olga:

Fiquei muito contente com tua carta, tua opinião sobre Dentro da noite [1]e a notícia de que tua poesia segue em frente. Gostei muito da tua tradução do poema de Neruda sobre o abjeto Franco[2] e também da ideia de publicá-lo. Um poema profético… O teu poema “Noturno”, saído na TI[3], é muito bonito, muito mesmo. Imagino como será teu novo livro!

Te agradeço o envio do recorte do generoso artigo de Pedro Dantas, meu velho amigo, apesar das profundas discordâncias políticas. Trata-se de um grande cara.

Dá meu abraço saudoso no Jaguar e agradece por mim o livro que me mandou. Mas ele devia me mandar livro dele, também, porque ele sabe que não existe fã maior de seus desenhos e de seu humor.

Escrevi um longo poema, chamado “Poema sujo”, que deve sair este ano. São noventa páginas, imagina! Endoidei de vez. É sobre São Luís do Maranhão e sobre tudo. Parece que ficou bom. Vamos ver.

Bem. Te mando meu abraço cheio de saudade e afeto. Grato por tudo.

Gullar


Fonte: Coleção Museu da Literatura Brasileira/Acervo IEB

[1] N.S.: Referência ao livro Dentro da noite veloz (1975).

[2] N.S.: Menção a Francisco Franco Bahamonde, ditador da Espanha entre 1939 e 1975. Seu nome está presente no poema “O general Franco nos infernos”, de Pablo Neruda, traduzido por Olga Savary.

[3] N.S.: Referência ao jornal Tribuna da Imprensa, fundado por Carlos Lacerda, em 1949.