S.l., outubro de 1977

Paulo, pequeno irmão,
da pequena cidade de Curitiba,
ilha de certeza
cercada de pequenos problemas por todos os lados,
a Régis, grande irmão,
na grande cidade de São Paulo,
cercado por um grande problema

………….

pare de se lamentar
como uma velha carpideira siciliana

esse teu medo de ter secado tua fonte de poesia
é apenas para nos deixar preocupados

eu já te disse
PARA SER POETA
TEM QUE SER MAIS QUE POETA

v. tem que ser um monte de outras coisas mais
senão daonde?
v. vai acabar fazendo literatura de literatura
v. tem que esculhambar mais
pintar mais por fora das molduras
EXISTENCIALMENTE

esculhambe-se vire-se altere dê alteração
considere a possibilidade de ir pro japão
rejeite o projeto de felicidade
q a sociedade te propõe

eu sei
v. é paulista
mas ser paulista não é tudo

rompa

fique mais irregular

seja mais inconveniente

é a linguagem que está a serviço da vida
não a vida a serviço da linguagem

a linguagem vem
sai na urina
acontece

fazer poemas não é a coisa mais importante
mas para quem faz é
e tem que ser assim

o signo é nosso destino
nossa desgraça e nossa glória

uma aranha sempre sabe
que depois desta teia
virá outra teia e outra teia e outra

uma aranha não duvida

v. vê
não há pressa: mallarmé deixou meiadúzia de coisas
augusto idem
não se importe com a frequência/ a fecundidade/ a abundância
uma década pode esperar um bom poema

Paulo Leminski e Régis Bonvicino. Envie meu dicionário: cartas e alguma crítica. Organização de Régis Bonvicino, com a colaboração de Tarso M. de Melo. São Paulo: Ed. 34, 1999, pp. 52-53.