Rio [de Janeiro], 28 de dezembro de 1937

Minha querida mamãe,

Se receberes estas linhas, como espero, a tua alegria será tão grande quanto a minha, desde ontem. Imagina tu, querida mãe, que as tuas cartas me estão sendo novamente entregues e tudo me faz crer que, afinal, se restabelece a regularidade de nossa correspondência. No dia 22 recebi as tuas linhas de 18 e ontem a tua boa carta de 22, que era acompanhada pela da Olga, de 22 de novembro. Espero, portanto, que tenhas recebi­do com a mesma rapidez as minhas cartas de 21 do corrente e que, finalmente, com esta que hoje te escrevo se restabeleça de todo a tua calma e que novas energias venham, mais uma vez, renovar as tuas esperanças em melhores dias. Asseguro-te, querida mãe, que continuo bem de saúde e que a minha situação, em geral, em nada se modificou nestes últimos tempos. Continuo fazendo uso do chimarrão e tenho conseguido comprar algumas frutas. Quanto aos jornais diários, já os estou recebendo, novamente, com regularidade. Infelizmente, não recebi os últimos livros e revistas que me mandaste. Mas como foi grande o número de minhas cartas que se extravia­ram, preciso, hoje, pôr-te a par das últimas coisas recebidas.

O dinheiro que mandaste foi realmente entregue ao diretor do presídio e está à minha disposição; com ele compro os jor­nais, as frutas e o mate. Quanto aos últimos livros recebidos, foram ainda o de [Armand] Carrel e um exemplar de Le Mois[1] (de 1º de setembro). Dentro deste estava a linda faquinha de tartaruga. Recebi, igualmente, o mapa da China e tu bem podes imaginar a minha satisfação; é muito bom e torna mais objetivas e inte­ressantes as notícias telegráficas dos jornais. No mês de no­vembro recebi um pacote com seis exemplares de Le Temps,[2] os únicos recebidos de todos os que me mandaste; dois jornais ingleses de 24 de outubro e as revistas Popular Science e News Review. Tu nem imaginas o prazer que causa aqui nes­te isolamento tal leitura.

Foi também em novembro que me entregaram, afinal, as roupas de inverno que enviaste em julho. Creio que foi por intermédio do doutor Sobral Pinto que elas aqui vieram ter, mas nada sei ao certo. Estava tudo em ordem, conforme a relação que me havias mandado, e foi tudo guarda­do, porque o inverno já estava longe e eu não pensava poder tão cedo vestir tal roupa. Mas acontece que durante este mês de dezembro tem chovido muito e feito mesmo alguns dias bastante frios, deste frio úmido e desagradável aqui do Rio, de maneira que já tive ocasião de vestir as camisas de flanela, muito cômodas e confortáveis.

Quanto à écharpe preta e bran­ca, foi carinhosamente guardada junto com o pullover feito pela Olga; esta tua écharpe é para mim como que um símbo­lo do muito que tens feito por diminuir os sofrimentos das nossas duas queridas. Peço-te, pois, que nas tuas próximas cartas me informes a respeito de tudo quanto mandaste e que não foi recebido, principalmente dos livros de maior valor, a fim de que possa ainda tentar reavê-los. Muito lamentei não receber as duas ou três últimas cartas da Lyginha[3] e espero que ela proximamente me escreverá e que me mandará também novas cópias das cartas da Olga que se extraviaram. Eu só recebi as de 24 de setembro, 24 de outubro e, ontem, a de 22 de novembro. Como ela escreve duas vezes por mês, creio que entre estas haverá outras e, como é por meio das cartas da Olga que vou fazendo o retratinho da Anita Leocadia[4] e acompanhando os seus progressos, grande é a falta que me fazem.

Mas, minha querida mamãe, esta já vai ficando por demais longa, de maneira que vou terminar, deixando para a próxima carta outras informações e pedidos.

Espero que a Lyginha me escreva detalhadamente a respeito da vida de vocês duas nestes últimos tempos e que me mande dizer tudo o que sabe e que possa, evidentemente, escrever-me a respeito da saúde e da atividade das manas.

Ontem passei o dia lembrando-me da Clotilde[5] e escrevi-lhe, com a alegria que me causaram as notícias recebidas, as linhas que vão junto. Quanto à resposta para a Olga, não pode seguir com esta, mas farei o possível para mandá-la pelo avião do sábado, porque, correspondendo às felicitações antecipadas que me mandou, desejo também que as minhas possam chegar às mãos dela antes do seu aniversário, a 12 de fevereiro próximo.

Todo início de ano é sempre motivo para renovarmos nos­sas esperanças, desejando aos que amamos a realização de seus sonhos. Tu vais receber estas linhas já no próximo ano e não preciso aqui escrever os milhões de votos de saúde e de melho­res dias de que são elas portadoras. A situação em todo o mundo é bem triste, mas se nos esforçamos por compreendê-la e se conseguimos, apesar do muito que sofremos, ainda pensar naqueles que estão sofrendo mais do que nós, as nos­sas forças se renovam, dando-nos a certeza de que melhores dias se avizinham. Mas é necessário terminar. Lembranças muitas às manas.

Um grande abraço cheio de saudades para a Aginha, com a recomendação de que precisa ficar menos ma­grinha. Abraça-te com muitas saudades e beija-te com muito carinho o filho que não te esquece

Luiz Carlos

Anos tormentosos: Luiz Carlos Prestes: correspondência da prisão (1936-1945). Organização de Anita Leocadia e Lygia Prestes. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2000, pp. 127-129.

[1] N.S.: Le Mois foi uma revista francesa mensal, ilustrada, de quase trezentas páginas, que contou com colaborações de segmentos da política, economia, ciência, artes e vida social parisienses.
[2] N.S.: Le Temps foi um dos mais importantes jornais diários de Paris de 1861 a 1942.
[3] N.S.: Lygia Prestes, irmã mais nova de Luiz Carlos Prestes.
[4] N.S.: Filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário Prestes, nascida em 1936 numa prisão em Berlim.
[5] N.S. Clotilde, irmã de Prestes, fazia aniversário no dia 27 de dezembro.