O conceito de homem cordial, desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, de 1936, tem origem na década de 1930, quando Alfonso Reyes, então embaixador do México no Brasil, fundou a revista Monterrey: Correo Literario de Alfonso Reyes. Entrou em cena, então, outro diplomata: Ribeiro Couto, embaixador do Brasil em Belgrado, que, entusiasmado com a iniciativa do colega, enviou carta, datada de 7 de março de 1931, ao Correo, publicada com o título “El Hombre Cordial, producto americano”, na seção “Epistolário” da edição de março de 1932, p. 3. Duas décadas depois, avaliando o caminho que tomara o seu “homem cordial”, Ribeiro Couto escreveu a Alfonso Reyes pedindo-lhe cópia da carta de 1931. Eis a resposta de Reyes seguida da carta que Couto lhe enviara:
México, D.F., 6 de marzo de 1952
Mi querido Ruy,
Gracias por su carta del 25 de febrero. Me felicito del ascenso de la Legación a Embajada y de que sigue usted con nuevos ánimos para sus tareas literarias. Le envío un retrato de hace pocos años, pero que espero le agrade, y le envío también unos sonetos humanístico-burlescos, Homero en Cuernavaca. Pronto le mandaré su carta sobre el Hombre Cordial y su traducción de mi “Fuga de Navidad”. He conservado esas páginas como oro en paño. Contribuyen a cubrir “ese hiato que divide nuestras dos culturas”, y de que fue para mí una triste manifestación el silencio absoluto que acogió en el Brasil mi librito de poemas Romances del Río de Enero, todo él consagrado a Río y escrito con el corazón y con la cabeza. Talvez lo reedite yo en estos días, pues la primera edición de 300 ejemplares, hecho en Maastricht por Stols, se agotó pronto y realmente no llegó al público.
Espero Entre mar e rio[1] com vivísimo interés. Y le mando un fraternal abrazo.
Alfonso Reyes
Marselha, 7 de março de 1931
El hombre cordial, producto americano
“O verdadeiro americanismo repele a ideia de um indianismo, de um purismo étnico local, de um primitivismo, mas chama a contribuição das raças primitivas ao homem ibérico; de modo que o homem ibérico puro seria um erro (classicismo) tão grande como o primitivismo puro (incultura, desconhecimento da marcha do espírito humano em outras idades e outros continentes). É da fusão do homem ibérico com a terra nova e as raças primitivas que deve sair o ‘sentido americano’ (latino), a raça nova produto de uma cultura e de uma intuição virgem – o Homem Cordial. Nossa América, a meu ver, está dando ao mundo isto: o Homem Cordial. O egoísmo europeu, batido de perseguições religiosas e de catástrofes econômicas, tocado pela intolerância e pela fome, atravessou os mares e fundou ali, no leito das mulheres primitivas, e em toda a vastidão generosa daquela terra, a Família dos Homens Cordiais, esses que se distinguem do resto da humanidade por duas características essencialmente americanas: o espírito hospitaleiro e a tendência à credulidade. Numa palavra, o Homem Cordial. (Atitude oposta do europeu: a suspicácia e o egoísmo do lar fechado a quem passa). (Como é bom, nos pueblos e aldeiolas da nossa América, no seu México como no meu Brasil, mandar entrar o caixeiro-viajante francês que vende peças de linho, ou o engenheiro alemão que está estudando a geologia local, e convidá-lo para almoçar! A gente grita logo lá para dentro: – Ó fulana, manda matar uma galinha!)…
O fato, porém, é que se não somos latinos, nós, oriundos da aventura peninsular celtibérica em terras americanas (alimentada pelas redes nupciais de índias bravias e pela sensualidade dócil de negras fáceis), se não somos latinos, somos qualquer coisa de muito diferente pelo espírito e pelo senso da vida cotidiana. Somos povos que gostam de conversar, de fumar parados, de ouvir viola, de cantar modinhas, de amar com pudor, de convidar o estrangeiro a entrar para tomar café, de exclamar para o luar em noites claras, à janela: – Mas que luar magnífico! Essa atitude de disponibilidade sentimental é toda nossa, é ibero-americana… Observável nos nadas, nas pequeninas insignificâncias da vida de todos os dias, ela toma vulto aos olhos do crítico, pois são índices dessa Civilização Cordial que eu considero a contribuição da América Latina ao mundo.”
Ribeiro Couto
Arquivo Ribeiro Couto / Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa; Capilla Alfonsina-INBA y Alicia Reyes Mota heredera de Alfonso Reyes.
[1] N.S.: Coletânea de poemas de Ribeiro Couto publicada em Lisboa, em 1952.