Belo Horizonte, 25 de outubro de 1948
Querido Otto,
Nem sei mais o que escrevi na outra carta (a que segue com esta). Ficou em cima da mesa, enquanto acontecimentos perturbadores me deslocavam da minha habitual solidão. Não foi o amor. Uma tristeza maior, causada pela morte de um grande amigo, momentaneamente, me fez esquecer os amigos vivos. Volto agora, com retemperada ternura, aos meus fiéis companheiros. Muito pouco dura a solidão de uma vida. A morte nos rodeia, e a pressa é nossa em encontrá-la. É preciso cultivar esta pergunta: Quanto tempo nos resta para amar? Um cão vive, no máximo, quinze anos. Mas quinze anos de fidelidade e ternura pelo seu amo. O horrível é viver duzentos anos (como qualquer tartaruga), de cabeça encolhida, passo lento, sem ao menos uma reminiscência da infância.
Não irei longe com esta carta. Ela se destina apenas a justificar o atraso da outra. E, além do mais, acaba de me sugerir um tema para conto: um homem começa a ser esquecido pelos seus melhores amigos. Companheiros velhos, com os quais estivera semanas antes, não mais se lembram dele. Somente aqueles que não lhe interessam, que lhe não dedicam nenhuma amizade, o procuram. E um homem sem amigos morre, morre de melancolia.
Abraços para a comunidade kafkiana, do seu velho
Murilo
P.S.: Com o nosso Paulo, já convalescente, combinei uma série de reuniões. A primeira (se você e o Fernando vierem agora a Belo Horizonte) será aqui. A segunda, no Rio, e a terceira, por força do hábito de nos reunirmos, em Paris. Sugestões remotas – as quais não está alheio o Capitão Coré – apontam as Bermudas como sede da décima reunião.
Murilo
Arquivo Otto Lara Resende/ Acervo IMS