Fazenda [São Paulo], 6 de julho de 1917

Rangel,

Retiro tudo quanto disse a propósito do teu estilo, em tantas cartas anteriores. Em vez de mudar alguma coisa, podar, concentrar, fazer, em suma, o que sugeri, não deves fazer coisíssima nenhuma. Estás sedimentado definitivamente e lindo. Encantou-me tanto a Vida ociosa que me envergonhei de todas as minhas velhas sugestões. Compreendi agora. Você nasceu miniaturista, tal qual Meissonier. Há na pintura francesa dois casos típicos de miniaturismo: Mignard e Meissonier. Este pintou com grande minúcia de detalhes, mas mante­ve-se grande; nas telas militares punha reflexos das coisas vizinhas nos botões dos soldados, mas manteve-se grande. Seu nome figura entre os maiores pintores da França. Mignard fez a mesmíssima coisa, mas sem talento; quanto mais miniaturava, quanto mais pintava pelinhos um por um, menor ficava como pintor. Quando alcançou o prodígio de pintar um por um todos os pelos das pestanas dum filhote de pulga — assombro jamais realizado no mundo — Mignard ficou ainda menor que a pulga e acabou dando à língua francesa uma palavra nova e pejorativa — mignardise. Você é um miniaturista nato, mas à Meissonier. Que lindos quadrinhos parciais descreves para formar com eles o quadro grande!

Renego todas as minhas observações. Estilo é cara, vivo dizendo. E querer que por causa disto ou daquilo o vizinho reforme o nariz ou a boca, é besteira. Sustente a cara que Deus te deu e Camilo apurou, e os Lobatos que vão às favas.

Vais ver a Vida ociosa classificada como a melhor coisa até hoje aparecida na Revista do Brasil. Eu chego a ter inveja. Tu me alijaste para a esquerda, bandido! Por que mudou a primeira forma do Zé Correto? Estava ótima, muito melhor que o José atual. José, José… Zé é o certo.

E a Academia, hein? Está capitalista agora. Vamos ter imortali­dade remunerada, uma novidade no Parnaso. Apolo deve estar cismabundo.

Lobato

Monteiro Lobato. A barca de Gleyre. São Paulo: Brasiliense, 1972, pp. 264-265.

[1] A fazenda São José do Buquira localiza-se no atual município Monteiro Lobato, no Estado de São Paulo.