Lorena, 10 de agosto de 1902
Escobar,
Saúdo-te e todos os teus. Venho do Rio, onde fui — celeremente, de um noturno a outro — para conversar com o Laemmert e saber o dia que, afinal, ficará pronto o meu encaiporado livro.[1] Felizmente os frios alemães receberam-me num quase entusiasmo, e, quebrado o antigo desalento, quase preveem um sucesso àquelas páginas despretensiosas.
Apresso-me em dar-te a notícia, porque foste o meu melhor colaborador neste ermo de São José do Rio Pardo, e peço-te transmiti-la ao Augusto, dizendo-lhe que o nosso contrato sem escrituras tem a garantia da minha palavra, que às vezes parece ser palavra de rei.
Agora, um grande, um sério, um reservadíssimo favor. Tão reservado que te peço não o boquejes nem mesmo junto ao ouvido da tua filhinha mais nova. Lá vai: constou-me (não preciso dizer quem foi o desalmado) que há no encontro direito — lado do Pompeu — da ponte, uma frincha descendo por todo ele até embaixo. Imagina como fiquei, e quanto cabelo branco vai-me nascendo dentro desta ansiedade…
Pensei seguir logo até aí. Infelizmente, não posso agora. Por isso escrevo-te. Quero que — com a tua cautela habitual, sem que ninguém o perceba — observes aquilo e indiques-me, num esboço qualquer, o lugar, as dimensões aproximadas da coisa, e se é visível e se ameaça aumentar, ou se é um recalque comum nestas obras. Não és engenheiro, mas, que diabo, também estas coisas não são tão transcendentes…
De qualquer modo, aguardo a tua resposta contando os dias.
Esta chegará aí na segunda ou terça, à tarde. Poderei ter, aqui, a resposta na sexta ou sábado. Não faltes — sobretudo se tiveres de confirmar meus pressentimentos.
Adeus, meu velho amigo, e creia sempre no
Euclides
Walnice Nogueira Galvão e Oswaldo Galotti. Correspondência de Euclides da Cunha. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997, p. 136.
[1] N.S.: Referência a Os sertões, que seria lançado no final de 1902 pela Laemmert & C. Editores, de propriedade dos irmãos Eduardo e Henrique Laemmert.