No início de 1923, um jovem aspirante a estudante universitário dirigiu-se até à Reitoria da Universidade de Buenos Aires munido de uma carta, escrita de próprio punho, endereçada ao Decano (equivalente a Diretor) da Faculdade de Filosofia e Letras, que dizia assim:

Jorge Luis Borges, de 23 anos de idade, residente na rua Serrano 2147, desejando ingressar na Faculdade de Filosofia e Letras como aluno regular, solicita respeitosamente ao Senhor Decano, com base no artigo segundo do ordenamento que rege as condições de ingresso, ser admitido como tal.

Faz constar ao Senhor Decano:

– Que foi educado na Europa, tendo cursado os estudos que correspondem no nosso país ao Ensino Secundário, no Colégio de Genebra, estudos que compreendem todas as matérias exigidas pelo programa do Colégio Nacional – exceto História Argentina, Geografia e Literatura – como comprovam o certificado e os programas em anexo.

 – Pede que, em virtude do acima exposto, indique o Senhor Decano as matérias sobre as quais deverá ser examinado para ingressar nesta Faculdade.

– Como complemento, faz constar que o solicitante cursou quatro anos de latim e obteve no ano passado um certificado, também anexo, da Universidade de Cambridge que o autoriza a ensinar inglês.

Cumprimenta o Senhor Decano, atentamente,

(Assinatura) 

Dias depois, o candidato a aluno anexou ao expediente que fora aberto pela secretaria da Faculdade uma nova missiva que trazia mais informações sobre a sua trajetória intelectual até o momento:. “Jorge Luis Borges deseja submeter à atenção do Senhor Decano os ensaios estéticos e metafísicos em anexo para exemplificar a sua atividade literária e ilustrar as suas motivações para ingressar nesta Faculdade..” Informa ainda que é “colaborador assíduo” da revista espanhola Cosmópolis, em cuja edição de outubro de 1920 publicou uma “dilatada antologia crítica da recente lírica alemã, vertida diretamente do idioma original”, e que o número seguinte da revista Nosotros trará um estudo da sua autoria sobre as “objeções apresentadas por [Herbert] Spencer ao idealismo de [George]Berkeley”. 

Não consta nos arquivos da Faculdade (onde estão os originais das cartas) que a petição do jovem Jorge Luis tenha sido avaliada pela direção da instituição, muito menos que o solicitante recebeu alguma resposta. 

Era 6 de abril de 1923 quando Borges voltou ao edifício da rua Viamonte, altura do número 430, no centro da capital argentina, e recuperou os documentos que anexara ao processo – tal informação consta no final do expediente com a letra e a firma do próprio.

No ano anterior, o jovem havia manifestado numa carta dirigida a um amigo a intenção de cursar literatura em dois anos (quando o tempo normal seriam três) para logo se casar com a namorada da época, Concepción Guerrero. Terá sido a burocracia o motivo da sua desistência em tornar-se estudante universitário? 

Borges regressa com os pais para a Europa (onde moraria dos 14 aos 21 anos), mas não sem antes editar na capital Argentina o seu livro de estreia, Fervor de Buenos Aires. Contará no futuro que a publicação desses primeiros poemas,  financiada pelo seu pai, se deu de forma bastante singela, numa edição sem correção de provas, numeração nas páginas ou índice. Foram impressos 300 exemplares, cuja maioria o autor levou para distribuir pela Europa – outros ficaram na Argentina, repartidos entre jornalistas e críticos literários. 

Jorge Luis Borges em Mallorca, Espanha, aos 19 anos

A temporada europeia durou cerca de um ano, com passagens por Londres, Paris, Genebra, Barcelona, Valência, Madri e Lisboa. Durante esse tempo manteve correspondência com Concepción e com vários editores de revistas literárias, para as quais enviava suas colaborações.

Quando regressa a Buenos Aires, em meados de 1924, os interesses de Borges já são outros. Termina a relação com a namorada, não volta a mencionar a ideia de entrar na universidade, e rapidamente se integra à cena literária local: participa de diversas publicações, passa a conviver com escritores e a frequentar ambientes literários. Tem início aí a sua carreira como intelectual e escritor. 

Em 1955, já com status de diretor da prestigiada Biblioteca Nacional da Argentina e fama de grande literato, Jorge Luis Borges volta a cruzar os corredores da Faculdade de Filosofia e Letras de Buenos Aires, agora como professor. Durante mais de uma década deu aulas de Literatura Inglesa e Norte-Americana na instituição onde um dia sonhou estudar. Sobre a experiência como docente, recordaria numa conferência que o seu método de avaliar os alunos consistia em deixá-los à vontade para falarem sobre as leituras que tinham feito: “Costumava dizer-lhes: fale, por exemplo, do doutor Samuel Johnson, fale da poesia anglo-saxônica, fale de Shakespeare, de Oscar Wilde, de Shaw; e lhes dizia: falem, digam o que pensam, prometo não interrompê-los, prometo não perguntar uma só data, já que eu mesmo não as sei”. Durante todos os anos em que deu aula, só reprovou três alunos, que “insistiram muito” em não serem aprovados, contava o autor de O Aleph