“Não conheço tristeza maior que a provocada pelo atraso do correio”, diz Madame de Sévigné em carta de 1675 à filha. A marquesa, que ficou conhecida por descrever a sociedade da época em abundante correspondência, é apenas uma entre os diversos autores franceses que se celebrizaram na literatura epistolar.
A promoção das obras pertencentes ao gênero, sejam elas a reprodução de cartas reais ou a correspondência ficcional entre personagens (como em As ligações perigosas, de Chordelos de Laclos) é visível: raro não encontrar uma seção exclusivamente dedicada às correspondances em qualquer biblioteca pública. São volumes inteiros com cartas de Jean Cocteau à mãe, Maupassant às mulheres que passaram por sua vida, Rimbaud a Verlaine e diversas outras personalidades literárias da França em seus escritos mais íntimos. O que quase todas essas páginas trazem em comum, desde antes de Mme. de Sévigné até hoje, é a marca de uma tradicionalíssima instituição francesa sem a qual a maioria delas não chegaria ao destino: os correios, ou La Poste, em francês.
O clássico símbolo azul sobre fundo amarelo está por todas as esquinas de Paris. E não podia ser diferente. Em tempos de e-mail, redes sociais e outros meios de comunicação eletrônica rápida, é fato que muitos assuntos na França, sobretudo os burocráticos, ainda são resolvidos pela antiga prática de abrir a caixa postal e verificar se há nova carta. Para ter direito à ajuda social, garantida pelo governo, à moradia de todo estudante estrangeiro no país, por exemplo, é preciso fazer um cadastro online e esperar que as respostas às etapas seguintes cheguem por cartas.
O mesmo acontece com os bancos, alguns comunicando via La Poste cada vez que certas categorias de depósitos são feitos na conta do cliente. Em todo perímetro parisiense é possível ver funcionários de azul e amarelo aos montes, seja no volante de minivans pelas estreitas ruas da rive gauche ou subindo as ladeiras de Montmartre a bordo de suas bicicletas motorizadas. Obviamente, no entanto, as entregas nem sempre foram feitas dessa maneira. Quando a primeira organização postal não exclusiva a assuntos do reino foi criada na França em 1576, a correspondência chegava por portadores a pé ou a cavalo, sujeita a todo tipo de intempéries pelo caminho, daí as demoras que tanto faziam sofrer Mme. de Sévigné.
A verdade é que do século XVI até hoje, a La Poste, como qualquer outro serviço postal pelo mundo, encurtou a distância entre duas pessoas. Fossem nas notícias que o filho enviava à família do front das guerras napoleônicas ou nas acaloradas discussões entre escritores e seus amigos durante o affaire Dreyfus, a instituição acabou por produzir involuntariamente um imenso patrimônio literário ao longo dos anos. Ciente do que ajudara a criar e do valor cultural que isso representa, a empresa concebeu a Fondation La Poste, que desde 1995 trabalha para promover o gênero epistolar e a literatura em geral.
Entre os livros de correspondências lançados todos os anos na França, há algo em comum: são muitos os que exibem nas páginas iniciais o mesmo símbolo azul e amarelo indicando o apoio cultural que receberam da fundação, sem o qual, provavelmente, não teriam saído. Mas contribuir financeiramente para que essas cartas sejam publicadas é apenas uma das ações da La Poste. Entre as demais, estão concursos de correspondência e arte postal, prêmios a romances, projetos de incentivo à escrita em plataformas de comunicação digitais e até competições para eleger o melhor escritor do ano entre funcionários dos correios (com gratificações que chegam a dez mil euros).
O Prix Sévigné, por exemplo, foi criado em 1996 para comemorar o tricentenário de morte da célebre marquesa e desde então premia publicações que tragam correspondências inéditas. Em 2015, o ganhador foi Lettres à Alexandrine, volume de correspondências entre Émile Zola e sua esposa Alexandrine Meley, publicado pela Gallimard. Já o Prix Envoyé par La Poste recompensa os escritores iniciantes que enviam o manuscrito de um romance ou outro tipo de narrativa a alguma editora. Assim aparecem novos talentos. Além dos prêmios, a fundação também incentiva pesquisadores que trabalham com o gênero epistolar e patrocina eventos a ele relacionados. É o caso do Festival de la Correspondance de Grignan, que celebra anualmente as cartas de “todas as épocas e formas, das mais tradicionais às mais contemporâneas” na mesma Grignan em que residiu por vários anos Françoise de Sévigné, filha da marquesa, iniciando ali a famosa correspondência com a mãe.
Por todas as iniciativas e incentivos promovidos pela La Poste, é clara a valorização que o gênero epistolar possui em solo francês, assim como é clara a importância desse patrimônio para a literatura, seja na França ou não. Ainda que Mme. de Sévigné se queixasse dos atrasos das cartas no século XVII, ela certamente já levantava as mãos para os céus dando “grâce à Dieu”, pelos correios existirem.