Consta que este cartão, impresso no início do século XX, foi encontrado na biblioteca do escritor gaúcho Othello Rodrigues Rosa (1889-1956), hoje abrigada no Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul.
Nascido no final do século anterior, não é impossível que, no fervor da juventude, este Othello brasileiro o tenha enviado a alguém. Se o fez, teve sucesso na empreitada – é o que indica a discreta marca de dobradura no canto inferior direito do papel, amarelado pelos anos, indicando que seus “protestos de amor” foram aceitos.
Um detalhe chama a atenção e denuncia o caráter otimista de quem idealizou o bilhete impresso. É que o espaço para a dobradura no canto direito inferior, espaço reservado para o “sim”, é o único livre dos quatro cantos. Se a pessoa que o recebesse quisesse marcar “não”, teria de vincá-lo à esquerda justamente em cima da palavra “devolvendo”. Do ponto de vista gráfico, portanto, é óbvio: basta olhar o retângulo e ver que a ponta direita livre revela a expectativa do remetente, como é esperado, e induz o destinatário – mais provável que fosse a destinatária – a dobrá-la.
Quanto ao conteúdo, não há novidade. “Pra que rimar amor e dor”, perguntava Monsueto em Mora na filosofia, a que Caetano imprime certa gravidade na interpretação. “Pra que rimar amor e dor”?, na voz do baiano, soa como um clangor, repetido muitas vezes ao final da canção. Sim, pra quê? perguntamos nós também. Se há um objetivo, não creio que se saiba. Mas que rima, rima. Sempre rimou. E, como no cartãozinho, o sofrer – com dois efes, sem que isso possa indicar que seria menor com um efe só – pode estar contido no simples ato de amar, assim como cantava Álvares de Azevedo no final daquele século em que nasceu o nosso Othello:
Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão
Não é pouco. O poeta romântico não fez nada que deixasse de ser transbordante, e o que derrama em seus versos se concentra no cartãozinho anônimo.
Versos de amor, cartas, bilhetes, serenatas, recados, telefonemas, e-mails, mensagens, vídeos da mesma natureza vêm atravessando séculos com o objetivo comum: o da conquista. É no sucesso da iniciativa que têm início as grandes histórias, e enquanto escrevo penso se ainda há alguém que, algum dia, recorreu ou recebeu o cartão encontrado na biblioteca de Othello Rodrigues Rosa.
Para nos mantermos solidários ao espírito de esperança que o cartão inspira, será bom lembrar o que diz Rubem Braga na crônica “Amor”. É certamente uma das melhores formas de encerrar assunto sobre o nascimento do amor:
Mas o grande milagre que ainda acontece é o amor. No meio da vida cheia de tanta encrenca, tanta coisa triste, e sofrimento e doença e lutas mesquinhas, ele aparece de repente, não se sabe como. Aparece como um pássaro que pousa em nossa janela e começa a cantar. Nasce da sombra e da luz, de tudo e de nada, e é sempre novo, trêmulo como flor na brisa, virgem como a espuma perdida no mar oceano. Honremos o amor. Sejamos humildes perante o amor. Ele é o grande milagre verdadeiro da vida, o grande mistério e o grande consolo.