A relação amorosa de Scott e Zelda Fitzgerald é uma das maiores histórias de amor, reais e ficcionais, do universo literário norte-americano. Conto de fadas com final trágico, as cartas que trocaram revelam um romance extraordinário vivido na exuberante década de 1920 nos Estados Unidos: jazz, melindrosas, cabarés esfumaçados, conversíveis amarelos e saguões luminosos de hotel compõem o cenário desse que foi provavelmente o relacionamento mais importante da vida de ambos e que serviu de matéria-prima para quase tudo o que escreveram.
Em 1918, o tenente Francis Scott Fitzgerald integrava o agrupamento alojado no forte Sheridan, em Montgomery, Alabama, à espera da ordem para entrar em combate do outro lado do Atlântico. Uma noite, decidiu ir com outros soldados a um baile, onde encontrou uma das beldades locais, Zelda Sayre, por quem se apaixonou.
Na região, o número de soldados excedia o de moças, e o receio de Scott de perder aquela que o conquistara se reflete nas poucas cartas dele que restaram dessa época: “Nem é preciso acrescentar que o capítulo [de seu romance The romantic egotist] e o fato de tê-lo enviado são coisas para conhecimento seu e só seu… – Não o mostre a homem, mulher ou criança”, escreve em agosto de 1918.
Como a guerra acabou antes de ter sido enviado ao front, Scott mudou-se para a esfuziante Nova York, onde publicou seu primeiro livro, Este lado do paraíso, em 26 de março de 1920. Transformado em celebridade da noite para o dia, aos 23 anos, casou-se com Zelda uma semana depois.
Os primeiros anos do casamento foram uma lua de mel em que ela cumpriu exclusivamente o papel de mulher de Scott, mesmo que certa competição entre os dois transpareça na resenha que Zelda fez de Belos e malditos para o New York Tribune, insinuando que o marido plagiara um diário seu. Mais tarde, na França, onde conviveram com artistas, as ambições dela cresceram e, com 27 anos, passou a dedicar-se ao balé.
Seu primeiro colapso nervoso aconteceu em 1930, quando o alcoolismo de Scott já havia se desenvolvido plenamente. Houve muita confusão em relação às causas das doenças de ambos. Até hoje permanece o mito de que Scott, com ciúmes da criatividade da mulher, reprimiu-lhe o talento e a levou à loucura, o que é tão absurdo quanto dizer que ela o levou à bebida.
Pouco depois de Zelda ser internada na Clínica Prangins, na Suíça, trocaram duas longas cartas em que relembram os anos passados juntos: “Você vivia bêbado o tempo inteiro. Não trabalhava e voltava à noite carregado por motoristas de táxi, isso quando voltava. Dizia que a culpa era minha, por dançar o dia inteiro”, escreve ela da clínica. Ele, por sua vez, envia a carta de Paris ou Lausanne: “E você então já tinha ido embora – mal me lembro de você naquele verão. Era simplesmente mais uma entre todas as pessoas que não gostavam de mim ou para quem eu não fazia a menor falta. Eu não gostava de pensar em você”. De 1932 a 1934, sustentaram calorosas discussões sobre a quem caberia o direito de ficcionalizar a vida em comum.
Publicada em 2005 pela Companhia das Letras no volume Querido Scott, querida Zelda: as cartas de amor de Scott e Zelda Fitzgerald, a correspondência retrata essas fases amargas, mas expressa sobretudo a preocupação de um com outro e o apreço pelo que conseguiram individualmente, apesar dos obstáculos. Ainda que o conflito seja um forte aspecto da ligação caótica – e profundamente apaixonada – que tiveram, o que ressalta é justamente o amor e o apoio mútuos. E a capacidade de perdoar.
No fim, Scott ajudou na revisão do romance de Zelda, Esta valsa é minha, e conseguiu que vários artigos dela fossem publicados. Também colaborou na produção da peça Scandalabra, escrita por ela no período em que era paciente externa numa clínica de Baltimore. Quando Zelda começou a pintar profissionalmente, ele cuidou que seu trabalho fosse exposto numa galeria de arte em Nova York. Já naquela longa carta de 1930, Scott terminava de modo apaziguador: “Nós nos arruinamos sozinhos – jamais cheguei a pensar seriamente que tenhamos nos arruinado um ao outro”.
De abril de 1939 a dezembro de 1940, quando Scott morreu de ataque cardíaco aos 44 anos, os dois mantiveram uma correspondência regular cujo enfoque passou da relação entre eles para uma preocupação madura com o bem-estar e a educação da filha, Scottie. Embora as últimas cartas não sejam tão íntimas quanto as anteriores – nos últimos três anos de vida, quando trabalhou por necessidade como roteirista em Hollywood, Scott iniciou um relacionamento com a colunista Sheilah Graham – elas dão nova dimensão à profundidade do vínculo que os unia: “você é a melhor, mais adorável, mais meiga e mais linda criatura que já conheci na vida”, escreveu Scott para Zelda depois da última viagem que fizeram juntos em 1939, “mas isso não diz nem a metade”. Nesse mesmo ano, ela escreve: “Continuo amando seu extraordinário talento como escritor, sua tolerância e sua generosidade; e todos os seus dotes abençoados. Nada sobreviveria a nossa vida”.