Antonio Reda foi um dos 23 mil militares argentinos enviados às Ilhas Malvinas em 1982 para lutar contra as forças armadas britânicas. Chegou ao arquipélago do sul do Atlântico em abril, logo no início da guerra, e completou 20 anos no front de batalha, de onde escrevia à família: “É verdade que durmo 12 horas por dia, mas o que querem que eu faça se anoitece às 18 e amanhece às 8, e de noite praticamente sempre há neblina e vento que não deixam ver um metro à frente. Como podem imaginar, o clima aqui é um desastre (…) As tempestades são de chuva e vento, mas sem relâmpagos nem trovões. O terreno é muito fofo e brota água de todos os lados, formam-se poças onde bebemos água, é o que nos sobra”, contou numa longa carta. “A guerra, com você imagina, não serve para nada, a única coisa que serve é para vermos que as pequenas coisas, as menores, são as que fazem a vida maravilhosa. Então, aproveite sem se amargar porque em breve estaremos juntos. Ah, uma dessas pequenas coisas (espero que não seja tão pequeno) é o bolo de chocolate que você me deve pelo meu aniversário”, anotou numa parte dirigida à irmã. Ferido em combate no dia 12 de junho, o soldado foi levado a um hospital e transladado de volta a Argentina. Regressou às Malvinas várias vezes, numa delas encontrou o refúgio, feito de pedras, onde se abrigava e de onde escrevia as cartas, e o rádio de pilhas que lhe fez companhia.

A missiva de Reda, uma das milhares redigidas durante o conflito com o Reino Unido, integra o projeto Cartas desde las islas (https://www.clarin.com/cartas/) criado pelo jornal Clarín para assinalar os 40 anos da Guerra das Malvinas. O embate durou 74 dias, cobrou mais de 900 vidas (649 argentinos, 255 britânicos e 3 civis habitantes das ilhas), e significou uma rotunda derrota para a Junta Militar que governava o país sul-americano. As condições adversas, a falta de mantimentos (inclusive roupa apropriada) e de alimentos são assunto recorrente nas mensagens selecionadas pelo diário argentino.

“São 9h, hoje amanheceu muito frio e chuvoso, isso não é problema, já vamos nos acostumando ao clima tão rigoroso, mas se não chegarem roupas de inverno não sei se nossos corpos resistirão. São muitos os rapazes que diariamente vão para a enfermaria (…) Aqui na primeira e na segunda fila a coisa está cada vez mais complicada. A comida é escassa, a água, racionada, nem sinal de cigarro (a não ser que nos arrisquemos muito para ir à vila), o clima é cada vez mais frio, a chuva é quase permanente, tivemos que mudar de zona e cavar os nossos abrigos. É quase impossível secar a roupa emudecida. Enfim, tudo complicado. Mas fiquei sabendo que em Buenos Aires dizem que estamos muito bem. Ao invés de dizerem isso aos que estão aí, por que não dizem isso a nós?”, desabafou Victor Hugo Cañoli, que tinha 20 anos quando foi à guerra. “Suponho que, quando eu voltar, estarão à minha espera com uma dúzia de pizzas”. Cañoli sobreviveu, foi um dos mais de 11 mil argentinos feitos prisioneiros durante os combates. Escreveu um livro contando a sua experiência nas Malvinas.

Nas mensagens publicadas pelo Clarín os militares buscam tranquilizar aqueles que estão no continente, a 600km de distância das ilhas em disputa. Demonstram confiança na vitória, mas não escondem a saudade e o medo da morte. “O esforço foi, é e será terrível”, avisava o tenente Carlos Julio Castillo. “Tenho muita saudade da Norma e do seu barrigão, gostaria de estar junto dela de qualquer forma nesse momento especial do nosso casamento. Tenho fé em Deus de que não passará muito tempo até eu estar ao lado de vocês”, escreveu seis dias antes de morrer, aos 25 anos. Um mês depois a sua mulher deu à luz um menino.

O piloto Daniel Manzotti, outra vítima da guerra, também tentou animar os seus: “Queridos pais e irmãos, nessas horas difíceis para a nossa querida Pátria, em que se joga o seu futuro como Nação, podemos apreciar claramente que a balança vai se inclinando decididamente a nosso favor. E não poderia ser de outra maneira, já que a causa que defendemos é justa e tem apoio de todos os países sul-americanos e de outros continentes”. Morreu aos 33 anos, após o seu avião ser derrubado, e deixou três filhos pequenos. “Viejos, no dia 24 de maio recebi a carta que me escreveram. Enquanto lia comecei a chorar de tanta alegria. Fazia um mês que não tinha notícias de vocês. Sabem quantas saudades tenho? Às vezes tenho vontade de gritar alto para que vocês me escutem. (…) Respondam o mais rápido possível”, apelou Horacio José Echave numa carta em que também pedia cigarros, doces e anunciava o plano para quando voltasse a casa: “Vou passar todo o inverno sem fazer nada”. O rapaz foi morto no dia 14 de junho, horas antes de que o comando militar do seu país anunciasse a rendição incondicional – e oito dias antes de completar 20 anos.

Durante a guerra, o governo argentino convocou os cidadãos a escreverem aos “queridos patriotas” que combatiam. Das escolas, crianças e adolescentes mandaram cartas aos heróis, e milhares de civis enviaram o seu apoio por escrito. José Cruz tinha 21 anos quando chegou às Malvinas acompanhado do cão Vogel, também ele membro do batalhão. Correspondeu-se com familiares e também com desconhecidos enquanto lutava contra os britânicos: “Viejita, sei que para você continuo sendo o teu negrito, mas hoje sou um homem e sei me cuidar muito bem. Não pense que tenho frio, que não tenho o que comer ou que estou doente, nada disso acontece”, tranquilizou a mãe. “Tenho que ser feliz por ter vivido esses anos ao lado de vocês e, o que é mais importante, lembro de quando era pequeno e passava o dia todo ao seu lado. Você é uma grande mãe que me deu de tudo. Sei que quando esteja (estiver) novamente em casa poderei desfrutar de todas essas coisas. Cuide-se muito, quero que você esteja linda para quando eu disser: já pode ir me esperar na estação. Confie em mim, me espere em casa que um dia desses eu chego. Tenho tanta coisa para contar…” Logo após voltar a casa, José Cruz conheceu Alicia, com quem manteve uma conversa epistolar durante o conflito, e com ela se casou. Vogel também sobreviveu à guerra e morreu aos 13 anos, em 1991.

Faltavam três dias para Daniel Massad completar o tempo de serviço militar obrigatório quando a guerra chegou. Do campo de batalha escreveu aos pais: “Estou esperando ansiosamente uma encomenda das mais completas possíveis. Mamãe, o que acha de me enviar uma câmera fotográfica com vários filmes coloridos? Quero levar de volta várias lembranças”. Os seus restos mortais, assim como o de boa parte dos argentinos caídos em combate, estão no Cemitério de Darwin, nas Ilhas Malvinas.