Vale a pena recuar dois séculos para ler as primeiras cartas que a poeta inglesa Elizabeth Barrett Browning, nascida em 1806, trocou com o futuro marido, o também poeta Robert Browning, durante vinte meses, entre 1845 e 1846.

A ideia de iniciar o diálogo epistolar partiu dele, depois de ler os Poems, que ela publicou em 1844. Impressionado com a qualidade dos versos, não hesitou em escrever a Elizabeth Barrett, como assinava a poeta, no início de janeiro do ano seguinte. Os dois moravam na mesma cidade de Londres, e o remetente certamente já sabia que a autora dos versos, aos 40 anos de idade, vivia reclusa no lendário endereço da 50 Wimpole Street, vítima de uma doença no pulmão e quase imobilizada por causa de uma queda. Como se não bastassem os dois infortúnios, era subjugada a um pai tirano que tornava sua vida ainda mais penosa.

Desde as primeiras cartas, Elizabeth e Robert se prometeram desprezar as cerimônias. Ele deveria – assim ela lhe pedia – não se preocupar em ser rude, se estivesse naturalmente de mau humor, ou não pretender escrever muito, caso o momento lhe pedisse recolhimento. Reconheciam grande quantidade de energia física nos manuscritos diários que trocavam entre si, mas nem por isso deixavam de enviar até mesmo dois no mesmo dia, caso houvesse desencontro nas cartas ou algum contratempo que as impedisse de seguir. Às confissões mais pessoais que Robert fazia, Elizabeth respondia com entusiasmo, satisfeita por compartilhar do mundo dele: “Como fico feliz em ler o que você me escreve de coração tão aberto” – maravilhava-se ela.

Muito antes de declararem o amor que os ligava, referiam-se à gratidão de que se nutriam mutuamente. Uma gratidão que transbordava os papéis de carta e levou Elizabeth a evocar, na correspondência de 24 de fevereiro de 1845, suas primeiras experiências na poesia. Ela conta que, desde criança, escrevia poemas em caderninhos e que, antes de guardá-los, beijava-os, em reconhecimento por ter sido feliz com eles. Depois, quando saía para passear, levava um ou outro a fim de que as folhas também pegassem sol e ar fresco. Fazia isso – dizia – não pelos versos que continham, mas pela gratidão que devotava ao caderno.

Em março, três meses depois de iniciada a correspondência, evidenciava-se a importância que um tinha para o outro. A poeta, frágil e doente, ganhava vida. Reconhecia, literalmente, o encantamento que experimentava ao acordar e se dar conta de que Robert Browning existia – e era seu amigo. A ele consagrava seu primeiro pensamento do dia. Quem já acordou assim sabe que nome tem esse tipo de despertar. Era a primeira vez que Elizabeth saía do mundo exclusivo das letras – estudara sozinha línguas e história – para vivenciar emoção feminina que até então desconhecia.

Por essa mesma época, Robert começava a perguntar à amiga se poderia vê-la em dois, três meses, talvez? Elizabeth respondia lembrando que nem sempre estava com boa saúde naquele tempo implacável londrino, chuvoso e úmido. Era preciso ter paciência; esperar dias mais quentes para estar mais bem disposta.

Meia verdade. De fato, ela acabaria por admitir: sentiria medo ao encontrá-lo (“But I shall be afraid of you at first”). Temia a emoção de estar frente a frente com o amigo. Sempre tão afastada do mundo, acostumada a lidar com o conhecido ritual cotidiano, protegida de abalos mais fortes pelas quatro paredes de sua casa-prisão, certamente vislumbrava a tempestade interior de que seria tomada ao sentar-se diante de Robert Browning. Tremia nas bases.

Depois de várias combinações, na carta de 16 de maio, sexta-feira à noite, Robert lhe escreve marcando o encontro para a terça seguinte, às 14 horas. Se ela não estivesse bem nesse dia – tranquilizava-a –, só precisava mandar uma palavrinha ou duas, e ele voltaria quantas vezes ela quisesse.

Não foi necessário o cancelamento da visita. O casal se vê, de fato, na tarde do dia 20. Na noite que se seguiu ao encontro, ainda sob emoção, ele escreve à amiga. Estava inseguro. Queria saber: a visita tinha sido longa demais? Falara muito alto? Inquietações que ela trataria de apaziguar nas cartas seguintes, recolhidas em The Love Letters of Elizabeth Barrett & Robert Browning.

O que Robert Browning talvez não imaginasse era que, em segredo, ela escrevia 44 magníficos sonetos de amor, entre os quais o antológico soneto 43, transcrito em português e inglês ao final deste texto. Junto aos outros, seria reunido em Sonnets from the Portuguese, livro publicado na Itália, em 1850, país que o casal adotou desde que Robert Browning raptou a amada da casa paterna e a levou para Florença, onde, como nos melhores contos de fadas, viveram felizes para sempre.

Não deixaram de, na fuga, levar o cocker spaniel de Elizabeth, o Flush, cuja biografia seria escrita por Virginia Woolf no século seguinte. Ao ler a correspondência completa dos Browning, a autora de Orlando encantou-se de tal modo com os relatos sobre o cachorro, que resolveu partir daí para construir o personagem. Quem leu Flush dificilmente esquecerá as descrições da alegria do cachorro com a estupenda luminosidade da cidade italiana. Assim como lembrará do quanto ele padeceu de ciúmes do filho que Elizabeth teve. Sim, nem a doença nem a idade a impediram de ser mãe – aos 44 anos, deu à luz um menino –, completando uma felicidade que duraria até sua morte, em 29 de junho de 1861.

Manuel Bandeira, que não só traduziu quatro dos sonetos de Elizabeth Browning como tinha grande encantamento pela história de amor dos dois, concluiu na crônica “Elizabeth Barrett Browning”: “Nenhum casal de criaturas humanas foi jamais tão longe, mesmo nos domínios da fábula, como Elizabeth Barrett e Robert Browning, cujo grande e inalterável sentimento tem, pelas circunstâncias e vicissitudes em que se formou e cresceu, a beleza cíclica e indestrutível dos mitos”.

Clique para ver o vídeo com leitura do soneto 28 por Eucanaã Ferraz e Maureen Bisilliat.

Soneto 43

Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.

Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do Sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.

Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.

Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte.
                                                                (Tradução de Manuel Bandeira)

How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breath and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of Being and ideal Grace.

I love thee to the level of everyday’s
Most quiet need, by sun and candlelight.
I love thee freely, as men strive for Right;
I love thee purely, as they turn from Praise.

I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood’s faith.
I love thee with a love I seemed to lose

With my lost saints, — I love thee with the breath
Smiles, tears, of all my life! — and, if God choose,
I shall but love thee better after death.