Em julho de 1944, Clarice Lispector, recém-casada, viajaria para Nápoles, onde encontraria Maury Gurgel Valente, seu marido, que iniciava a carreira diplomática.

Entre rápidas idas e vindas ao Rio de Janeiro, Clarice permaneceria no exterior por mais de quinze anos. De Nápoles partiria para Berna, Torquay, Washington, não sem antes passar por Florença, Paris e Roma. Fora do Brasil, a autora de Perto do coração selvagem teria dois filhos, Pedro e Paulo; publicaria livros de contos e romances, laureados com diversos prêmios literários e reconhecidos pela crítica especializada; e intensificaria seu contato epistolar com intelectuais brasileiros, como Erico Verissimo, Fernando Sabino, Rubem Braga e Lúcio Cardoso.

Esse grandioso futuro ainda não podia ser vislumbrado pela jovem de 25 anos incompletos no dia 8 de julho de 1944, quando escreveu à irmã, Tânia Kaufmann: “Tua carta não chegou fora de atmosfera. Eu bem precisava de algumas palavras como as suas. […] Um dia antes de receber tua carta eu me preparava para viajar, já tinha combinado na FAB. À tarde do dia seguinte eu estava lassa e exausta e provavelmente não iria mais […]. Você diria que isso sucede a todas; mas eu sou feita de tão pouca coisa e meu equilíbrio é tão frágil que eu preciso de um excesso de segurança para me sentir mais ou menos segura”. (Há que se ter coragem para mudar.)

Este é apenas o início de uma extensa e afetuosa troca de correspondência entre as irmãs Clarice, Tânia e Elisa Lispector, na qual se podem acompanhar os acontecimentos nos anos de exílio parcial e o carinho fraterno que as unia, vencendo a distância.

Coletado nos arquivos pessoais de Elisa e Tânia, o conjunto epistolar, que conta de 154 cartas, foi doado em maio de 2015 ao IMS, por Paulo Gurgel Valente, filho de Clarice Lispector, e se somou à biblioteca pessoal e a cerca de 150 documentos que integram seu acervo na instituição– dentre os quais os originais manuscritos do romance A hora da estrela, os únicos de que se tem notícia (uma fatia destes manuscritos está digitalizada e pode ser vista no site dedicado à escritora).

Parte destas cartas foi publicada pela editora Rocco no volume Minhas queridas (2007), enquanto outras quase cinquenta permanecem inéditas. Para marcar o evento anual Hora de Clarice, neste 10 de dezembro de 2015, o IMS passa a disponibilizar todas as cartas para consulta na base de dados dos arquivos de Literatura do IMS. Ouça um pequeno trecho no vídeo abaixo.