No dia 10 de agosto de 1519, cinco naus deixaram o porto de Sevilha, no sul da Espanha, para dar início àquilo que o escritor austríaco Stefan Zweig chamou de “a maior odisseia da história da humanidade”. Comandados pelo português Fernão de Magalhães, cerca de 240 homens (há divergências em relação ao número exato) de diversas profissões e nacionalidades lançaram-se ao mar com o objetivo de chegar às Molucas (atual Indonésia), ilhas ricas em especiarias, navegando em direção ao poente –  ou seja, viajaram sentido Ocidente para chegar ao Oriente. Bancada pela coroa espanhola após o rei português fechar as portas a Magalhães, a expedição procurava uma nova rota comercial e pretendia provar que as Molucas estavam na parte espanhola do mundo, então dividido entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas. Pelo caminho enfrentaram tempestades, avarias nos barcos, naufrágios, incertezas quanto à rota, rebeliões internas, falta de água e comida (chegaram a comer serragem e couro amolecido com água do mar), entre outros contratempos. Também encontram fauna, flora e civilizações desconhecidas e um oceano que, pelas suas águas calmas, foi chamado de Pacífico.

Em 8 de setembro de 1522, pouco mais de três anos depois do início da viagem, a nau Victoria, carregada com a valiosíssima carga de 27 toneladas de cravo-da-índia e tripulada por 18 homens famintos e exaustos, regressou ao ponto de onde havia saído. Pelo caminho, além de quatro naves, ficaram mais de 90% dos homens que embarcaram na aventura, inclusive Magalhães, que morreu num conflito com nativos numa ilha das Filipinas. Com a ausência do comandante luso, quem assumiu a missão foi Juan Sebastián Elcano, responsável por tomar a decisão que transformaria aquela expedição num momento único da história. Foi do espanhol a ordem para que a embarcação, ao invés de voltar pelo mesmo caminho que veio, continuasse a navegar rumo ao poente. E assim, pela primeira vez na história, um barco circum-navegou o globo terrestre.

Prestes a desembarcar em Sevilha, Elcano escreveu uma carta ao rei da Espanha, Carlos I (também conhecido como Imperador Carlos V), relatando a façanha que acabara de realizar: “(…) estando tão extenuados como homem algum esteve, com a ajuda de Deus e de Nossa Senhora, depois de passados três anos, ancoramos (…) saberá V.M. que aquilo que mais devemos estimar e temer é que descobrimos e demos a volta a toda a redondez do mundo, que indo para ocidente regressamos pelo oriente”.

Na missiva o navegador descreve a rota traçada, detalha os lugares por onde passaram e as dificuldades enfrentadas: “(…) descobrimos muitas ilhas riquíssimas, entre as quais descobrimos Banda, onde se dão o gengibre e a noz-moscada, e Zabba, onde se cria a pimenta, e Timor, onde cresce o sândalo, e em todas as sobreditas ilhas há infinito gengibre. (…) Tendo partido da última daquelas ilhas, em cinco meses, sem comer mais que trigo e arroz e beber só água, não tocamos em terra alguma, por medo ao rei de Portugal, que tem ordenado em todos os seus domínios de tomar esta armada, a fim de que V.M. não tenha notícia dela, e assim, se nos morreram de fome vinte e dois homens”.

No final, pede que o rei interceda pelos navegadores que foram presos pela Armada Portuguesa em Cabo Verde e que recompense aqueles que conseguiram retornar da expedição: “Suplico a V.M., pelos muitos trabalhos, suores, fome e sede, frio e calor que esta gente padeceu em serviço de V.M. lhes faça mercê da quarta e da vintena dos seus haveres e do que consigo trazem. E com isto cesso, beijando os pés e as mãos de Vossa Alta Majestade”.

A carta é respondida rapidamente pelo monarca que, além de anotar “infinitas gracias”, pede que Elcano vá imediatamente ao seu encontro acompanhado de mais dois tripulantes sobreviventes (“os mais sensatos e com melhor razão”), para relatar pessoalmente a epopeia e cobrar o que lhes é devido. O navegador acata a ordem e, ao encontrar-se com o rei, recebe dele um escudo de armas (um globo terrestre com o escrito, em latim, “primus circumdesdisti me”, ou seja: “o primeiro que me rodeou”), um salário anual (que este nunca chegou a receber) e o perdão de uma condenação.

Elcano morreu no dia 4 de agosto de 1526, aos 50 anos, vítima de escorbuto, a bordo da mesma nau Victoria, durante uma expedição patrocinada pelo mesmo Carlos I. O seu corpo foi lançado no Pacífico.