Quando seu livro A vertigem das listas foi lançado (no Brasil, pela Record, em 2010), Umberto Eco declarou em entrevista à revista Der Spiegel: “Gostamos de listas porque não desejamos morrer”. A máxima é radical e, além disso, soa como um contrassenso: listar não seria a vontade de dar conta, isto é, o resultado de um esforço de finalização? Não se pareceria, então, mais com o morrer do que com o instinto vital?

Muito pelo contrário. A lista, antes de ser um conjunto fechado, é potência de infinitude e multiplicação – aí reside seu impulso de vida. Nas palavras do próprio Eco, ao falar sobre a virtual impossibilidade de catalogar todas as estrelas do universo: “Quando Kant adverte o sentimento do sublime ao admirar o céu estrelado sobre si, experimenta a sensação (subjetiva) de que aquilo que vê vai além de sua sensibilidade e, portanto, postula um infinito”.

De certo modo, folhear um livro como Lists of Note (Canongate, 2014), organizado por Shaun Usher, o editor do site Letters of Note, se assemelha a admirar o céu estrelado. Trata-se de uma antologia de listas notáveis, desde os experimentos literários do escritor francês Georges Perec até os dez mandamentos da Máfia Siciliana, como “nunca olhar para a esposa de amigos”. O mero fato de o livro ser, evidentemente, uma lista de listas já nos sugeriria o poder vertiginoso descrito por Umberto Eco, mas dar o argumento por terminado aí não faria jus ao prazer que a antologia de Usher pode proporcionar.

Há exemplos de todo tipo: os sete pecados sociais segundo Gandhi, as dez dicas de Billy Wilder para roteiristas e até uma lista de compras na China do século X. Misturam-se aqui, sem melindres, um recenseamento de operários egípcios que faltaram ao trabalho (c. 1250 a.C.) com as categorias de animais presentes no conto “O idioma analítico de John Wilkins”, de Jorge Luis Borges. Reunidas assim, sem hierarquização, têm por objetivo saciar nossa peculiar “gula por listas”, como diz Eco em seu ensaio:

A gula por listas nos leva muitas vezes a ler também as listas práticas [como a dos trabalhadores egípcios] como se fossem listas poéticas [a de Borges] – e, de fato, aquilo que distingue uma lista poética de uma lista prática é, com frequência, apenas a intenção com que a contemplamos.

Várias das listas compiladas em Lists of Note foram enviadas por correio ou entregues em mão. Um dos exemplos mais tocantes é a carta enviada em janeiro de 2011 por Lucas Armory a Anthony Tommasini, o principal crítico de música do New York Times. Tommasini havia publicado em seu jornal uma lista dos dez compositores mais importantes da história. Armory discordou de sua opinião e decidiu mandar uma carta explicando os porquês. Também ofereceu seu próprio elenco dos “dez mais”, com nomes luminosos da música erudita, como Rossini, Paganini e Prokoviev. Entretanto, o que torna o caso interessantíssimo é o P.S. de Lucas Armory: “I go to Lucy Moses School. I’m 8 years old.” (“Estudo na Lucy Moses School. Tenho 8 anos de idade”).

Outra carta-lista que vale a pena ser mencionada, de 9 de junho de 1908, tem como remetente o famoso escritor britânico Rudyard Kipling. A destinatária: sua filha mais nova, Elsie, de 12 anos de idade, carinhosamente apelidada de “Bird”. Nela, Kipling enumera sete “regras simples da vida em Londres”, cidade para qual Elsie viajaria dali a um tempo. Entre elas, “não role na grama dos parques, pois deixará seu vestido todo preto” e “não tente pegar os quadros com borboletas do National History Museum”. Assinado: “Daddo”.

Afinal, entre rascunhos de gigantes históricos (uma lista de compras de Galileu, uma agenda de DaVinci com tarefas como “medir um cadáver usando o comprimento de seu dedo”), decálogos sisudos para a instrução do público (os dez mandamentos de um Liberal segundo Bertrand Russell ou os Dez Novos Mandamentos do polêmico Christopher Hitchens) e centenas de conselhos destinados a mulheres, crianças etc., Lists of Note satisfaz a nossa gula.

Mais do que isso, pela força da quantidade e da variedade de exemplos, o livro nos revela o que poderíamos chamar de avesso da lista. Ali estão os itens gravados, alguns há milênios. Escondida nessa aparente imobilidade, entretanto, está a vertigem: a vontade de dar conta de tudo, de ordenar um universo por essência caótico. O avesso da lista, portanto, é sempre aquilo que lhe escapa, o que foge e sempre fugirá do conjunto. Por isso seguimos compondo listas. Pelo desejo de viver. Por isso nos fascinam tanto.