Boa parte da correspondência, ativa ou passiva, de Euclides da Cunha é conhecida por meio de edições publicadas depois de sua morte. Nelas, uma voz ainda não tinha soado até hoje: a do poeta Vicente de Carvalho. A descoberta de mais de duas dezenas de cartas que ele enviou ao autor de Os sertões, encontradas no acervo do Instituto Moreira Salles, torna possível a instauração de um diálogo epistolar que enriquece a biografia dos dois amigos.

Nasceram no mesmo ano: 1866. Euclides da Cunha em Cantagalo, no estado do Rio de Janeiro, em 20 de janeiro, e Vicente de Carvalho na cidade portuária de Santos, em 5 de abril. Ambos tinham, portanto, proximidade com o litoral, mas, se o sertão da Bahia levaria o primeiro a escrever a obra que ficou conhecida como a “epopeia brasileira”, o segundo, fiel à sua Santos, seria chamado de “poeta do mar”.

Contribuiriam para mudanças literárias importantes: Euclides, com Os sertões, de 1902, revelava o mundo nordestino dos jagunços, mostrando um Brasil oposto ao então conhecido nos romances urbanos de Machado de Assis. Vicente de Carvalho, ainda sob os ecos do Romantismo, filiava-­se ao Parnasianismo, escola que não tinha mais “certa meiguice dengosa e chorona” dos românticos – observa Manuel Bandeira, para me restringir à crítica menos ortodoxa. Organizador da Antologia dos poetas brasileiros da fase parnasiana, Bandeira, com justo entusiasmo, nela incluiu o poeta de Poemas e canções, de 1908.

A expressão literária uniu Euclides e Vicente de forma antológica. É possível que leitores apressados tenham deixado de ler a primeira parte de Os sertões, “A terra”. Mas, se hoje estão acima dos 60 anos, não terão deixado de se encantar com duas páginas dessa obra, publicadas em antologias escolares sob o título “O estouro da boiada”, trecho que o poeta modernista Guilherme de Almeida chegou a dividir em versos, tão ritmada e sonora é a descrição. Duvido que tenham esquecido o rebanho de bovinos que “entrebatem-­se, enredam-se, trançam-se e alteiam-se riscando vivamente o espaço, e inclinam-se, e embaralham-se milhares de chifres”. Assim como se lembrarão, de antologias semelhantes, dos versos de Vicente de Carvalho em “Pequenino morto”, poema de 12 estrofes, cujo refrão ecoa, pungente: “De onde o sino tange numa voz de choro…/ Pequenino, acorda.”

Por que, e como, Euclides da Cunha, militar severo que deixou o sudeste litorâneo para se render ao sertão da Bahia, ligou-­se a Vicente de Carvalho, amante das pescarias e poeta que cantou especialmente o mar?

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