Durante mais de 70 anos o jornalista e crítico de arte Juan Ramírez de Lucas, nascido na cidade espanhola de Albacete, guardou uma carta e um segredo. A missiva, escrita no dia 18 de julho de 1936, provavelmente é a última que o poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca escreveu antes de ser detido pela Guarda Civil e fuzilado sob a acusação de ser rojo (vermelho, no sentido de comunista) e maricón. Seu corpo nunca foi encontrado – é uma das milhares de vítimas da Guerra Civil, enterradas em fossas comuns.

O segredo que Juan só revelou no leito de morte era a sua história  de amor com o autor de Romancero Gitano.

“Conta comigo sempre. Sou o teu melhor amigo e peço que sejas político e não te deixes ser levado pela maré. Juan: é preciso que voltes a sorrir. Também me passaram coisas tremendas, para não dizer terríveis, e eu as toureei com graça”, escreveu Lorca ao rapaz com quem manteve uma relação amorosa por dois anos. Na carta de três páginas revelada pelo jornal El País em 2012, o poeta demonstra apreensão com a situação que o namorado enfrentava: o medo de revelar aos pais sua opção sexual e de não convencê-los a permitir que viajasse ao estrangeiro.

Perseguido por suas convicções políticas e sua homossexualidade, Lorca havia recebido convite para passar uma temporada no México. Estava decidido a ir, mas queria que o namorado o acompanhasse. No entanto, naquela época, a maioridade na Espanha se alcançava aos 21 anos e o jovem Juan, que só tinha 19, precisava da autorização da conservadora família para sair do país.

Nessa derradeira carta, Lorca tenta acalmar o companheiro: “Na tua carta há coisas que não deves nem podes pensar. Vales muito e tens que ter a tua recompensa. Pensa no que podes fazer e comunica-me em seguida, mas obra com grande cautela.” Embora consciente das dificuldades, o poeta manifesta o seu otimismo. Acredita que tudo sairá bem: “Estou muito preocupado, mas como te conheço sei que vencerás todas as dificuldades porque te sobra energia, graça e alegria – como dizemos os andaluzes – para parar um trem.”

O risco da carta ser interceptada obriga o poeta a ser comedido em suas declarações de amor: “Penso muito em ti e isso é algo que sabes, não é necessário dizê-lo, mas com silêncio e nas entrelinhas deves ler todo o carinho que tenho por ti e a ternura que armazeno em meu coração.” Não há na mensagem qualquer menção à situação política que se vivia na Espanha.

De acordo com os biógrafos de Lorca, o último encontro entre o casal deve ter acontecido em Madri no começo daquele mês de julho. Despediram-se na estação de trem com a promessa de se reecontrarem dentro de semanas para rumarem ao México.

Ramírez de Lucas, que tinha 17 anos quando conheceu Lorca (o poeta andaluz era 19 anos mais velho), faleceu em 2010, aos 93 anos, sem jamais ter revelado a história de amor que viveu com o autor de Sonetos de amor (poemas escritos por Lorca à época em que viveu esse último romance). Nem mesmo o homem com quem Juan manteria um relacionamento de 30 anos sabia desse romance.

Entre os documentos que o crítico de arte entregou a uma das irmãs pouco antes de morrer, estavam, além da carta, um poema inédito de Lorca dedicado a ele – que, nos versos, era chamado de “rubio (louro) de Albacete” –, desenhos que o poeta lhe dera e um diário com anotações suas que detalham o romance dos dois. Embora tenha manifestado à irmã o desejo de que essa história de amor se tornasse pública, até agora pouco desse material foi revelado.