Paris, 31 de julho de 1937

Meu querido filho,

O meu mais ardente desejo é que estas linhas te encontrem com saúde. Tenho presente tua boa carta datada de 16 do corrente e que aqui chegou com dez dias de viagem, o que não sei como explicar, porque veio pelo avião. Recebi também a que escreveste à nossa querida Olga.

Lamento muito que a minha carta tenha sido encaminhada erradamente para a Casa de Detenção,[1] pois desse modo ficaste sem notícias nossas, o que tenho tido o cuidado de evitar. Tenho te escrito religiosamente todos os sábados e, algumas vezes, pelo avião de quarta-feira. Assim deves receber minhas cartas de 3, 10 e 17. No dia 24 (sábado), não te escrevi, porque não me encontrava em Paris, porém a Lyginha escreveu a fim de que não sofresses a decepção de não receber as esperadas notícias.

Da nossa Olga recebi, justamente no dia de minha chegada a Paris (28/7), uma importante carta, datada de 15, mas que somente a 26 havia sido posta no Correio. Mais abaixo dir-te-ei o que ela continha, pois em primeiro lugar quero te falar da minha viagem.

No dia 21 do corrente mês, parti para a Alemanha, acompanhada de uma delegação de damas inglesas, com o fim determinado de ver a Olga e a pequenita e constatar o que seria possível fazer por ambas. Infelizmente não conseguimos permissão para visitá-las, mas a Gestapo, onde estivemos por três vezes, forneceu-nos várias informações sobre a saúde de Olga e da pequenina, dando-nos mesmo uma cópia do atestado apresentado pelo médico da prisão onde elas se encontram, no qual se lê que a saúde e o aspecto físico de ambas são os melhores possíveis. Deram-me permissão de enviar roupas e víveres, o que fiz imediatamente. Estive duas vezes na prisão de mulheres, onde se encontram as nossas duas queridas! Deixei cem marcos para a Olga e uma grande cesta com frutas. As damas inglesas enviaram à pequenina roupas e lindos brinquedos. Bem podes imaginar, meu querido filho, a grande tristeza com que me retirei da prisão, sem ter visto e abraçado as nossas duas queridas!

Além disso, desejava obter da Olga algumas informações necessárias para a tua defesa, e nada consegui! Pelo que nos disseram na Gestapo, as duas (Olga e Elise)[2] não foram inculpadas até hoje e talvez mesmo nunca sofrerão qualquer processo! Posso te assegurar que muito trabalhamos durante os oito dias que passamos em Berlim, porém poucos foram os resultados obtidos. Mas não esmorecemos e continuaremos a lutar até o fim.

Em sua carta de 15, a Olga pede-me que lhe envie uma duplicata da certidão de seu casamento contigo, a fim de regularizar a sua situação jurídica perante as autoridades alemãs. Já providenciei para que tal duplicata me seja remetida com a maior brevidade. Quanto à pequenita, peço-te que esperes um pouco, pois ainda não consegui obter as informações necessárias para que reconheças a paternidade. Não te mando cópia da carta da Olga, porque ainda não está traduzida, mas prometo enviá-la pelo próximo avião de quarta-feira, quando te escreverei com mais vagar.

Ontem enviei-te os primeiros livros, que são: as obras completas de Moliére, ornadas com lindas gravuras coloridas, uma história dos Estados Unidos, as máximas de Epíteto precedidas dos pensamentos de Marco Aurélio, vários catálogos de livrarias e um lindo mapa da Espanha. Ao todo cinco livros e três catálogos. Espero que tudo te seja entregue com presteza, pois seguiram por um vapor rápido.

Sobre a Exposição[3] nada posso contar, pois ainda não a visitei. Logo que o faça, não me descuidarei de arranjar os tais prospectos a que te referes, para te enviar. Com a minha ausência de Paris e outros assuntos, faltou-me o tempo para percorrer livrarias e comprar coisas mais interessantes, mas espero resolver tudo isso na próxima semana. Não te preocupes com as despesas e peço-te que me digas com franqueza tudo quanto desejas.

Espero que já tenhas recebido algumas roupas de lã que te mandei, assim como alguns objetos de toilette. A écharpe foi minha e usei-a durante a minha estadia na Alemanha em meados de novembro do ano passado, antes do nascimento da nossa adorada Anita. Espero que a uses com prazer. Receio que sintas muito a umidade no pequeno cubículo onde vives. Logo que apareça outra oportunidade, mandarei mais meias de lã, pois lembro-me sempre como sofrias com os pés frios. Enfim, meu querido filho, enquanto penso em ti, nas nossas duas queridas e nas desgraças que afligem o mundo, esqueço-me dos meus sofrimentos e novas forças se levantam dentro de minha alma e sinto novas energias para tudo enfrentar e suportar.

De saúde vamos todos bem, pelo menos o quanto é possível neste momento. Lyginha promete escrever pelo próximo avião e envia-te um saudoso abraço. As outras, quando escrevem, sempre enviam-te lembranças e saudades. Recebe um longo abraço de tua mãe que te beija com infinitas saudades

Leocadia

Anos tormentosos: Luiz Carlos Prestes: correspondência da prisão (1936-1945). Organização de Anita Leocádia e Lygia Prestes. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2000, pp. 567-569.

[1] N.S.: Ao ser preso, Prestes foi levado para o quartel da Polícia Especial, no centro do Rio, onde permaneceu por mais de um ano até ser transferido, no dia 8 de julho de 1937, para uma cela construída especialmente para ele no pátio da Casa de Correção, situada à rua Frei Caneca, onde também funcionava a Casa de Detenção, local para o qual Olga fora levada antes de sua deportação.
[2] N.E.: Elise Ewert – deportada para a Alemanha junto com Olga. Era casada com Arthur Ewert, comunista alemão que participou da luta antifascista no Brasil, no ano de 1935.
[3] N.S.: A Exposição Internacional de Paris (Exposition Internationale des Arts et Techniques dans la Vie Moderne) aconteceu de 25 de maio a 25 de novembro de 1937 e teve 44 países participantes. Dentre as obras, foi exibida, pela primeira vez, Guernica, de Pablo Picasso, no Pavilhão da Espanha.