As cartas da mexicana Frida Kahlo, considerada uma das pintoras mais influentes do séc. XX e tema principal da exposição Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México em cartaz na Caixa Cultural, não poderiam ser menos arrebatadas e calorosas do que seus quadros. Se neles transparece uma Frida apaixonada pelas cores, pela arte, pela cultura de seu país, sem deixar de lado uma angústia e tristeza características, as cartas – sobretudo as de amor – transmitem todas essas sensações em palavras. Também aí vibra uma mulher tão complexa quanto a arte que concebeu: “a arte de Frida é uma fita ao redor de uma bomba”, definiu belamente o surrealista e amigo André Breton.

Frida casou-se duas vezes com o muralista mexicano Diego Rivera: a primeira em 1929, quando tinha 22 anos, e a segunda em 1940, após um ano de divórcio. As cartas que a ele endereçou evidenciam a intensa e tempestuosa relação que tiveram. Para ela, Rivera era “a vida”, como escreveu em uma das cartas mais apaixonadas, e, simultaneamente, “um acidente”, como chegou a declarar em outro momento: “Eu sofri dois acidentes graves na minha vida, um em que o ônibus me levou ao chão… O outro acidente é Diego. Diego foi o pior”.

Além da perna direita mais fina do que a esquerda resultante da poliomielite que contraíra na infância – imperfeição que mais tarde disfarçaria com suas longas saias coloridas –, a mexicana sofreu grave lesão na coluna quando, aos 18 anos, um bonde colidiu com o ônibus em que viajava com o namorado Alejandro Gómez Arias. Ela teve “a coluna quebrada em três lugares na região lombar. Quebrou a clavícula, fraturou a terceira e a quarta vértebras, teve onze fraturas no pé direito (o atrofiado), que foi esmagado; sofreu luxação no cotovelo esquerdo; a pélvis se quebrou em três lugares”, conta a biógrafa Hayden Herrera.

Todo o sofrimento e a dor decorrentes desse acidente serviram de inspiração para a tela A coluna partida (La columna rota), de 1944, na qual se retrata usando um colete ortopédico, indicado para o controle da dor, cujas tiras permitem ver no corpo aberto – como por um bisturi – a coluna jônica que o sustenta partida em vários lugares. O martírio da dor transparece de maneira evidente nos pregos encravados na pele e, sutilmente, na paisagem deserta que amplia a solidão e o sofrimento físico. Lágrimas brotam, abundantes, dos olhos tristes, mas firmes, de Frida.

A este, sucederia o segundo “acidente” em sua vida: Frida conheceu Rivera quando foi lhe mostrar os desenhos que começara a pintar para “vencer o tédio” durante a recuperação no hospital. A própria artista relembra o episódio em carta a Rivera: “Como esquecer aquele dia quando te perguntei sobre meus quadros pela primeira vez. Eu bobinha, você um grande senhor com olhar sensual me deu aquela resposta, para minha satisfação e, sem nem me conhecer, me animou a seguir adiante”.

Em 12 de setembro de 1939, já separada, a pintora escreve em seu diário uma carta noturna e poética, que jamais entregaria a Diego, e cuja escritura se prolonga por mais de uma hora até o amanhecer:

“Minha noite me precipita em sua ausência.
Eu te procuro, procuro teu corpo imenso ao meu lado, tua respiração, teu cheiro. (…)
Eu procuro um ponto de contato: tua pele. Onde está você? Onde está você? (…)
Meu corpo quer você. (…)
Minha noite explode de tanta falta de você. (…)
Meu corpo não compreende. (…)
Minha noite acentua minha solidão, todas as minhas solidões. (…)
Minha noite te espera. Meu corpo te aguarda. (…)
O dia vai amanhecer.”

Além de Rivera, outra paixão recentemente descoberta de Frida se destacaria pelas cartas verdadeiramente apasionadas que lhe inspirou. Trata-se do espanhol Joseph Bartolí, que a pintora conheceu em 1946, em Nova York, onde realizava uma das mais de trinta cirurgias a que se submeteu. Guardadas pelo amante dentro de seus envelopes, junto com pequenos objetos e fotos que marcaram os três anos de relação, as cartas foram vendidas pela família após a morte dele, em 1995, para um colecionador que leiloou o conjunto em 2015.

Ao longo de cem páginas manuscritas, como mostram as fotos reveladas pela Doyle New York, encarregada do leilão, evidencia-se a paixão quase adolescente que o espanhol lhe despertara. De volta ao México, Frida escreve: “Bartolí, na noite passada senti como se muitas asas me acariciassem toda, como se as tuas impressões digitais tivessem bocas que beijavam a minha pele. Os átomos do meu corpo são os teus”.

As cartas se avolumam à medida que o romance evolui: “Por ti voltei a viver, a pintar, a ser feliz, a comer melhor”, conta; e depois: “És a razão do meu viver, tudo o que sempre sonhei e não tens ideia do quanto eu preciso de ti para não me sentir sozinha”.

Mas a solidão nunca abandonou Frida, e é possível que a distância e a piora do seu estado de saúde tenham afastado Bartolí, que deixou aos poucos de lhe responder: “Não se esqueça de mim. Não me deixe só”, escrevia, no tom desesperado que imprimiu às últimas cartas, quando ainda tentava manter a relação: “Pinto pouco, mal tenho forças para viver”. Com uma perna amputada e incontáveis tentativas de suicídio, ela morreu em 13 de julho de 1954.