A vida é um bocejar infinito
Em 1848, o poeta paulistano Álvares de Azevedo deixa o Rio de Janeiro, onde morava sua família, e retorna à cidade de nascimento para concluir os estudos na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Aos 17 anos, o jovem não demonstra entusiasmo ao chegar à capital, que, naqueles tempos, era habitada por pouco menos de 15 mil pessoas. Em carta à sua mãe, Maria Luísa Silveira da Mota Azevedo, o autor de Lira dos vinte anos (1853) traça um perfil diferente da metrópole que conhecemos hoje.
São Paulo, 12 junho de 1849
Tenho a vista a sua de 3 de corrente que com muito prazer recebi.
Enquanto no Rio reluzem esses bailes a mil e uma noites, com toda a sua mania de fulgências e luzes, por aqui arrasta-se o narcótico e cínico baile da concórdia Paulistana.
Nunca vi lugar tão insípido, como hoje está São Paulo – Nunca vi coisa mais tediosa – e mais inspiradora de spleen – se fosse eu só que pensasse, dir-se-ia que seria modéstia – mas todos pensam assim – a vida é um bocejar infinito.
Não há passeios que entretenham, nem bailes, nem sociedades – parece isto uma cidade de mortos – não há nem uma cara bonita em janela, só rugas, caretas desdentadas – e o silêncio das ruas só é quebrado pelos ruídos das bestas sapateando no ladrilho das ruas.
Esse silêncio convida mais ao sono que ao estudo – enlanguesce, e entorpece a imaginação e pode-se dizer que a vida aqui é um sono perpétuo.
Passam dias e dias sem que eu saia de casa – mas que hei de eu fazer? As calçadas não consentem que um par de pés guarnecidos de um par de calos – como os meus – possam andar vagando pelas ruas – Fico em casa, e contudo por isso não estudo mais do que quando no ano passado eu ia todas as noites conversar em alguma casa de família, ou num baile.
Estudo sempre, contudo – porém é como a martelo, é unicamente a força de vontade.
Diga a Nhanhã que as obras vão andando e que prometeram-me por qualquer destes dias a toalha. [1]
Basta por hoje, muitas. lembranças a todos – a Exma. Sra. Nhanhã, a Marianinha, Quinquins[2] etc. etc. e lance sua bênção sobre
Seu filho do coração.
Maneco.
Por aqui não há novidades que lhe interessem além do nascimento de uma filha de Bella. Quinta-feira aqui houve teatro. Nunca vi coisa tão ruim.
[1] N.S: Estima-se que a expressão “prometer a toalha” faça referência a uma encomenda de cama e mesa, a que o poeta se refere como “as obras”.
[2] N.S.: Referência aos irmãos Maria Luisa (Nhanhã), Mariana e Joaquim Inácio (Quinquin).