Bordo do Habsburg, 25 de maio [de 1876], às sete e meia da manhã
Maria Augusta, minha muito querida noiva,
Passou a primeira noite desta amarga ausência; e o primeiro pensamento meu, ao amanhecer, não pode ser outro senão buscar, conversando contigo daqui, uma consolação a tão dolorosas saudades. Há pouco perdi a terra de vista; mas minha alma não perdeu a vista de ti. Tua imagem, tua alma estão em mim como na presença. Aqueles abraços da despedida, longos, puros, estremecidos abraços, cheios de pranto e de soluços, ainda não me saíram, nem sairão nunca do coração.
Quantas emoções, querida noiva! E quão acerbas! Meus olhos buscaram-te ontem, ao sair de tua casa, e não te viram. Mas ouvi-te, ouvi a explosão do teu pranto, que de longe me dilacerava ainda! Noiva, formosa flor de minha vida, não te abandones mais assim a um sofrimento que nos mataria a nós ambos. Anjo que és, não podes nunca desesperar de Deus. Ele abreviará esta minha e tua provação, apressando-nos uma felicidade que tu mereces tanto, e que eu procuro tanto merecer, fazendo-me digno de ti.
Teu irmão, teu cunhado, o Souto ter-te-ão dito o como lembrei-me de ti na triste hora da separação. Com lágrimas pedi-lhes fizessem por mim o que eu nunca fizera, casta noiva minha! – mas que feito por qualquer deles, seria legítimo e digno –, que te cobrissem de beijos meus.
Hoje, quando a tarde vier, no meio da infinita melancolia do oceano, não terei mais a alegria inexprimível daquelas horas, que eram o paraíso dos meus dias, horas de confidências e expansões mútuas, em que, ao pé de ti, esquecia todas as tribulações de minha existência, tão breve quanto magoada. Logo que a noite cair com as suas sombras sobre o mar, meu coração abismar-se-á todo na dor dessas recordações. Mas ao menos sobre a tristeza desta saudade sem limites haverá um raio de luz: a ideia do meu dever cumprido, a consciência da minha dedicação a ti, o sentimento de que este sacrifício é votado ao futuro comum do nosso amor. Cara noiva de minha alma, inspira-te um pouco também nestas reflexões, para que no teu sofrimento haja uma gota de bálsamo!
Abraça-me com teu pai, a quem infelizmente não me foi possível encontrar ontem. A ele e a tua extremosa mãe, aos quais considero já como meus pais, muitas lembranças minhas, assim como aos teus e meus caros irmão Adelaide e Cazuza[1] e Dobbert. Dize-lhes que lhes quero muito, e que as saudades minhas de ti não desbotam as que tenho deles.
Não esqueças o nosso prezado protetor, o conselheiro Souto. Repete-lhe os abraços e beijos que dei ontem à despedida, e lembra-lhe a promessa, que me fez, de me escrever constantemente.
Adeus, linda e amada noiva. Até breve, Deus o há de permitir.
Teu do coração
Rui
Rui Barbosa. Cartas à noiva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, pp. 65-66.
[1] N.E.: José Viana Bandeira, irmão de Maria Augusta.