Detalhes da Carta

Incentivado pela noiva, a baiana Maria Augusta, Rui Barbosa deixa a Bahia, seu Estado natal, e embarca para o Rio de Janeiro em busca de desenvolvimento de sua carreira profissional. Luta para vencer as saudades, que descreve nesta carta, mas está certo de ser esse seu caminho na vida.

Bordo do Habsburg, 25 de maio [de 1876], às sete e meia da manhã

Maria Augusta, minha muito querida noiva,

Passou a primeira noite desta amarga ausência; e o primeiro pensamento meu, ao amanhecer, não pode ser outro senão buscar, conversando contigo daqui, uma consolação a tão dolorosas sau­dades. Há pouco perdi a terra de vista; mas minha alma não perdeu a vista de ti. Tua imagem, tua alma estão em mim como na pre­sença. Aqueles abraços da despedida, longos, puros, estremecidos abraços, cheios de pranto e de soluços, ainda não me saíram, nem sairão nunca do coração.

Quantas emoções, querida noiva! E quão acerbas! Meus olhos buscaram-te ontem, ao sair de tua casa, e não te viram. Mas ouvi-te, ouvi a explosão do teu pranto, que de longe me dilacerava ainda! Noiva, formosa flor de minha vida, não te abandones mais assim a um sofrimento que nos mataria a nós ambos. Anjo que és, não podes nunca desesperar de Deus. Ele abreviará esta minha e tua provação, apressando-nos uma felicidade que tu mereces tanto, e que eu procuro tanto merecer, fazendo-me digno de ti.

Teu irmão, teu cunhado, o Souto ter-te-ão dito o como lem­brei-me de ti na triste hora da separação. Com lágrimas pedi-lhes fizessem por mim o que eu nunca fizera, casta noiva minha! – mas que feito por qualquer deles, seria legítimo e digno –, que te cobrissem de beijos meus.

Hoje, quando a tarde vier, no meio da infinita melancolia do oceano, não terei mais a alegria inexprimível daquelas horas, que eram o paraíso dos meus dias, horas de confidências e expansões mútuas, em que, ao pé de ti, esquecia todas as tribulações de minha existência, tão breve quanto magoada. Logo que a noite cair com as suas sombras sobre o mar, meu coração abismar-se-á todo na dor dessas recordações. Mas ao menos sobre a tristeza desta saudade sem limites haverá um raio de luz: a ideia do meu dever cumprido, a consciência da minha dedicação a ti, o sentimento de que este sacrifício é votado ao futuro comum do nosso amor. Cara noiva de minha alma, inspira-te um pouco também nestas reflexões, para que no teu sofrimento haja uma gota de bálsamo!

Abraça-me com teu pai, a quem infelizmente não me foi possível encontrar ontem. A ele e a tua extremosa mãe, aos quais considero já como meus pais, muitas lembranças minhas, assim como aos teus e meus caros irmão Adelaide e Cazuza[1] e Dobbert. Dize-lhes que lhes quero muito, e que as saudades minhas de ti não desbotam as que tenho deles.

Não esqueças o nosso prezado protetor, o conselheiro Souto. Repete-lhe os abraços e beijos que dei ontem à despedida, e lembra-lhe a promessa, que me fez, de me escrever constantemente.

Adeus, linda e amada noiva. Até breve, Deus o há de permitir.

Teu do coração

Rui

Rui Barbosa. Cartas à noiva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, pp. 65-66.

[1] N.E.: José Viana Bandeira, irmão de Maria Augusta.